PAO CIRCO E INTERNET BANDA LARGA
Lembrei do panem et circencis, citação que significa pão e
circo, que foi feita há muito tempo pelo imperador romano Vespasiano, mentor da
construção do coliseu —disse ele: "pão e circo para o povo". A frase
está numa das comédias de Juvenal, que censurava ser essa a única preocupação
da plebe romana, cuja ociosidade foi uma das razões do declínio do Império dos
Césares.
E o incrível é que essa frase está até os dias de hoje tão
vívida na nossa civilização, mesmo sendo moderna, mesmo já termos ido à lua,
mesmo com tanta tecnologia, estamos mais e mais vivendo num gigantesco circo,
onde várias atrações nos são expostas, muitas delas absurdas e bizarras como no
coliseu da Roma antiga. Nos deparamos com coisas fúteis e inúteis que nos são
ofertadas a preços muitas vezes absurdos. Vivemos ainda em castas sócias, da
mais alta a mais baixa, dividas por status sociais como na antiga Roma.
Vivemos o circo de escândalos políticos, celebridades
instantâneas (que não tem realmente nada de interessante ou relevante em suas
trajetórias de vida que nos possam acrescentar algo de bom), e continuamos
encantados e sem nenhuma reação ao vermos os gladiadores modernos que se valem
do discurso inútil, promessas impossíveis de cumprir, mentiras cada vez mais
escandalosas ou simplesmente exibem um corpo sarado fazendo caras de maus ou
poses de deusas. Até quando iremos continuar engolindo os comerciais
apresentados na televisão, os discursos políticos mentirosos, as cpis (que não
resultam em nada ), as canções cada dia de mais mau gosto?
Existem pessoas no mundo todo que realizam excelentes
trabalhos em todas as áreas desde a cultura a assistência social, mas estamos
cada vez mais paralisados com espetáculos circenses, gastamos mais tempo em
frente à tv vendo as gatinhas com camiseta molhada, o tira a roupa das novelas,
que deixamos de buscar o fundamental para nós seres humanos que é o
conhecimento e a evolução pessoal e social. Até quando continuaremos a assistir
espetáculos circences de mau gosto? E viva o bom e velho circo e a todos os
palhaços que continuam fazendo brilhar o riso inocente na boca das crianças!
As eleições, às vezes, remetem-nos ao passado. Na Roma da
Antigüidade Clássica, César dava à massa pobre e faminta os espetáculos vividos
no Coliseu —a política do Pão e Circo. Ao povo fornecia-se pão, para saciar a
fome, e shows de combates entre gladiadores, para saciar a mente. A massa, por
conseguinte, dificilmente se rebelava contra os governantes do Império, uma vez
que estava alimentada tanto física quanto espiritualmente.
Pode parecer disparatado, mas no Brasil de hoje, também
acontece a política do pão e circo. Entretanto, ao invés das batalhas entre
gladiadores e das carreiras de bigas ou trigas, temos os showmícios, futebol e
Carnaval, dentre outros circos. A diferença básica existente na política
original é que os Romanos recebiam pão; no Brasil, a fome mata.
E o que mais precisam? Tendo isso, eles não querem mais nada.
Não têm perspectiva, não têm objetivos grandiosos. Querem só comer e se
divertir. Assim cresceu o império romano. Pão e circo. Educação, não. Educação
é prejudicial. Educar o povo é abrir seus olhos para a podridão que já causa
vômitos nos que a compreendem, mas são minoria. Uma minoria esmagada por um
exército de iletrados que continuam sorrindo com um pão sujo na mão, um circo
armado e nenhuma visão.
Quando as autoridades promovem o circo —modernamente sem o
pão, já que este ficou muito caro— e lhe dá nomes como Noite da Seresta, Canta
MS e outros que tais, douram uma pílula que, quando engolida, só provoca dor de
barriga. Falta planejamento, falta cuidado, falta eficácia. A Noite da Seresta
da sexta-feira, 28 de agosto, não foi diferente.
Mesmo existindo já há nove anos, o evento continua com os
mesmos problemas de trânsito que existiam no último ano do século passado,
quando foi criado. Ainda não teve uma alma mais criativa para resolver os
problemas da circulação na área. Construiu-se uma "concha acústica"
que tem graves problemas, a começar pela altura do palco, inadequada para a
visibilidade de quem assiste aos espetáculos, notadamente quando a platéia é
grande.
Na sexta-feira foi o caos de verdade. Faltou energia elétrica
para tocar a iluminação e o sistema de som —e olha que foi contratada uma
empresa especializada nesse tipo de trabalho, a Poit energia, especializada em
unidades móveis de geração de energia elétrica. O som foi ruim durante todo o
espetáculo. O trânsito estava péssimo e a Agetran nada fez pra melhorar e
facilitar a vida das pessoas.
Mas nem tudo foi tão ruim. Com todos os problemas, ainda
houve um bom espetáculo, graças aos dois artistas principais do concerto: Almir
Sater e seu convidado Geraldo Espíndola. Ambos foram extremamente amadores, não
no sentido pejorativo do termo —geralmente entendido como não domina ou não
consegue dominar a atividade a que se dedicou—, mas na qualidade de quem ama,
que gosta muito de alguma coisa e a realiza como amor. Fosse Sater um desses
profissionais empedernidos, não teria cantado daquela maneira. E não se poderia
tirar sua razão: afinal, cantar e tocar naquelas condições é muito difícil.
Sater e Espíndola demonstraram um grande amor pela sua arte e pelo seu público.
Devia haver algo em torno de três mil a quatro mil pessoas na
Praça do Rádio naquela noite —não acredite em veículos que contaram dez mil
pessoas; não cabem dez mil ali. Eram três mil ali comprimidos sem qualquer
apoio dos funcionários da Prefeitura de Campo Grande, promotora do espetáculo.
E nem podia: estavam todos muito espevitados no camarote oficial, debatendo
platitudes e falando mal da vida alheia.
Desde sempre não há qualquer esquema pra facilitar a vida dos
espectadores, que ficam apertados sem um esquema de circulação, sem uma
sinalização decente, sem uma infra estrutura a não ser banheiros malcheirosos,
e sem alguém pra fiscalizar vendedores ambulantes e camelôs, que vendiam
sanduíches, pipoca, cerveja, refrigerantes a preços escorchantes.
Assisti ao show como quem está num inferno com trilha sonora.
Aliás. foi apenas esta que valeu a pena: a trilha sonora proporcionada por
Almir Sater e Geraldo Espíndola, ótimos como sempre. Tem gente que chama aquilo
de lazer; eu penso que não passa de tormento. O pão era muito caro, o circo
estava com a lona rasgada, o picadeiro não tinha serragem e o palhaço era uma
melancolia só.