LULA, HITLER E GETÚLIO FORAM IGUAIS EM TUDO?

GETÚLIO VARGAS: 3 RAZÕES PARA AMAR (OU ODIAR) O QUE ELE FEZ COM O BRASIL QUE VOCÊ VIVE HOJE.


Getúlio Dornelles Vargas foi um dos mais influentes personagens da história do Brasil República. Morto há mais de 60 anos, ainda é considerado por boa parte da população como o melhor presidente que já comandou o país. Sua participação na construção política do Brasil redefiniu em diversos elementos o posicionamento do Estado Nacional. 

Principal nome da Revolução de 1930 (aquela que pôs fim à República do Café com Leite), Getúlio se manteve no poder desde então até a metade da década de 1950. Ele sabia como poucos se articular e adaptar sua forma de governar a cada diferente contexto. Sua influência foi além dos cargos oficiais: mesmo fora do poder (após sua morte ou quando o Estado Novo foi derrubado), foicapaz de fazer de sua vontade a vontade do povo, seja pela sua própria figura ou pela de seus herdeiros políticos.

Criador de importantes instituições do governo, como a Petrobras, de leis que regem o mundo do trabalho e pioneiro no uso da propaganda para atingir seus interesses, Getúlio Vargas moldou o Brasil que vivemos hoje. Boa parte dos acontecimentos do presente são herança direta ou indireta de suas decisões. Isso pode ser para alguns uma contribuição positiva, entretanto é completamente possível atribuir interpretações negativas a esse legado tão presente num cenário de qualidade duvidosa que é política nacional.  

1 - Getúlio "inventou" o populismo no Brasil 


(Foto: Museu Joaquim José Felizardo / Fototeca Sioma Breitman).

























Cartilha getulista publicada em 1940 pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda 
(Acervo CPDOC FGV).
"Pai dos Pobres" e "Mãe dos Ricos": não é por qualquer razão que ele ficou conhecido assim. Poucos políticos no mundo tiveram capacidade semelhante de barganhar com os diferentes setores da sociedade. Vargas adotou estratégias que visavam obter o apoio popular, para isso, instituiu o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que centralizou toda produção publicitária nacional, controlando (e censurando) tudo o que fosse de interesse do governo. Além disso adotou medidas para o fortalecimento de sua imagem, divulgando os feitos do governo sempre com especial destaque a seu nome. Um ótimo exemplo disso foi a criação da "Hora do Brasil", um programa de rádio diário de transmissão obrigatória em que Vargas anunciava diretamente ao povo suas realizações. Nunca antes na história do Brasil um chefe de Estado se fez tão próximo de cada brasileiro.
























Em diferentes ocasiões, Vargas teve a sensibilidade de se antecipar a demandas distintas.Concedia direitos às camadas populares ao mesmo tempo que limitava seu poder de mobilização. Era uma espécie de autoritarismo anestesiado, visto que a aprovação de seu governo, considerado uma ditadura entre 1937 e 1945, sempre se manteve em níveis elevados. Uma prova disso é o chamado "Movimento Queremista", que foi uma mobilização popular em defesa da permanência de Getúlio na presidência (em 1945 uma intervenção militar interrompeu o Estado Novo, restabelecendo a democracia no país, com a ressalva de que as eleições convocadas proibiam a candidatura de Vargas, em evidente tentativa de evitar que ele fosse eleito).
 
Comício do Movimento Queremista no Largo do Carioca, Rio de Janeiro, 1945 (Acervo CPDOC FGV).
Especialistas associam a forte utilização da propaganda - enquanto ferramenta de articulação do governo - como uma das muitas características que assemelham seu estilo de governo aos polêmicos regimes fascistas que se constituíram na Europa no mesmo período (como o de Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália). A partir daí fica clara a recorrente crítica ao uso do populismo pelo seu caráter considerado manipulador. O modus-operanti do populismo, apesar dessa incontestável conotação pejorativa, continuou a se fortalecer como estratégia de governo no mundo pós-fascismo, sendo praticado por representantes de diferentes correntes políticas. No Brasil não foi diferente.

A maior parte dos presidentes que vieram após Vargas (salvo o período do Regime Militar, em que os presidentes eram eleitos de forma indireta) procuraram replicar sua estratégia populista. Em observação mais detalhada ainda é possível alinhar alguns dos mais populares políticos do período democrático (antes e após o Golpe) como herdeiros diretos da imagem de Getúlio: Juscelino Kubitschek, João Goulart, Leonel Brizola e Tancredo Neves. Todos eles participaram de alguma forma da Era Vargas e colheram posteriormente a simpatia do povo.

No cenário atual, ainda como numa linhagem de sucessão de alianças políticas, vemos o ex-presidente Lula (que no início de sua escalada política obteve o importante apoio de Leonel Brizola) assumir prestígio similar ao conquistado por Getúlio. Por outro lado, entre as principais lideranças oposição, está Aécio Neves, neto de um ex-Ministro de Getúlio aclamado como mártir da Redemocratização do Brasil: Tancredo Neves.

O carisma do ditador Adolf Hitler também teve base em estratégias populistas (Getty Images).

#2 Foi Getúlio o responsável pelas principais conquistas trabalhistas no Brasil

Manifestação comemorativa do Dia do Trabalho no estádio São Januário, Rio de Janeiro,1940 (Acervo CPDOC FGV).


Em um país há poucas décadas livre da escravidão e num contexto mundial de expansão dos ideais comunistas, Getúlio Vargas assumiu importantes compromissos com a classe trabalhadora: criou o "Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio", responsável por iniciar a modernização do Brasil. Entre outras atribuições, instituiu a chamada Consolidação das Leis Trabalhistas que junto a uma nova categoria jurídica, a Justiça do Trabalho, regulamentava questões sensíveis referentes ao trabalho. 

Entre seus principais feitos neste sentido é possível destacar a jornada de trabalho de 8 horas diárias ou 48 horas semanais, a regulamentação do trabalho das mulheres e crianças e o salário mínimo (que foi calculado de acordo com as necessidades básicas de sobrevivência do trabalhador: alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte).

Considerado um grande conciliador entre empregadores e empregados, Vargas oficializou e assumiu o controle dos sindicatos patronais e operários. Em análise a essa estratégia, o Doutor em História Social, Adaberto Peranhos, apelida o trabalhismo varguista de "antídoto contra a luta de classes". Segundo ele, é gritante o contraste entre as tensões no Brasil antes e depois do suicídio do estadista (o que não quer dizer que não tenha ocorrido movimentos sociais em seu governo). Isso demonstra como o trabalhismo de Vargas foi capaz de "domar" as reivindicações operárias, o que mais uma vez pode caracterizar o viés manipulador de seu governo.
A imagem acima talvez seja icônica para ilustrar a crítica que se faz sobre a desarticulação da classe trabalhadora: "Trabalhador sindicalizado é trabalhador disciplinado". Essa faixa estava presente na celebração do Dia do Trabalhador no estádio municipal do Pacaembú, em São Paulo, 1944 (Acervo CPDOC FGV).

(Arquivo do Movimento Operário do Rio de Janeiro)
O varguismo mais uma vez se aproxima do fascismo quando o assunto é o mundo do trabalho.Estudiosos associam os fundamentos da CLT brasileira à "Carta del Lavoro" italiana, instituída por Mussolini cerca de uma década antes.

O Dia do Trabalhador é outro bom exemplo que pode ser utilizado para compreender a força de desarticulação do trabalhismo carregado de propaganda à moda varguista: o que antes era uma data de crítica e protesto, ano após ano, foi remodelada como uma festividade. Vargas assumiu o protagonismo do 1º de Maio de modo a ofuscar o próprio trabalhador enquanto homenageado.A cartilha ao lado demonstra  bem esta tese: a figura de Getúlio tem o maior destaque, e a própria chamada do 1º de Maio convoca uma concentração em homenagem ao "Benemérito Presidente Vargas".



#3 Foi Vargas o fundador das principais empresas estatais

Cartaz da III Convenção Nacional em Defesa do Petróleo, em favor do monopólio estatal do recurso. Rio de Janeiro, 1952. Até o início do anos 1950, a produção e a distribuição de petróleo brasileiro eram controladas por companhias americanas, como a Standart Oil e a Texaco. Em reação a isso, Vargas e outros grupos nacionalistas uniram forças com a campanha ‘O Petróleo é nosso’.
Tema permanente no debate político do Brasil Contemporâneo, as empresas controladas pelo governo, ou simplesmente estatais, também têm suas raízes em Getúlio Vargas. Uma das principais características de seu governo foi a busca pela centralização e fortalecimento do Estado. Assim, a criação de empresas para o monopólio governamental de setores estratégicos da indústria de base era uma das maiores prioridades de seu projeto político.

Entre as empresas governamentais que nasceram nesse contexto, é possível citar a Eletrobras, Petrobras, Vale, BNDES (antigo BNDS), Banco do Nordeste e outros. Um dos principais argumentos utilizado por Getúlio contra seus opositores era o de que o governo deveriafirmar sua autonomia contra as empresas estrangeiras. Com uma considerável oposição instalada, Vargas utilizou de seu prestígio para encabeçar uma campanha voltada para ganhar a opinião pública (principalmente no que se refere ao petróleo), acusando os opositores de "entreguistas" por desejarem a abertura do país ao capital estrangeiro. Como era de se esperar, a campanha popular de Getúlio (que ficou conhecida pelo slogan "O petróleo é nosso") obteve o efeito desejado e a Petrobras foi fundada com sucesso.


Getúlio Vargas mostra a mão suja de petróleo da refinaria de Mataripe, Bahia, durante a inauguração da Petrobras, 1953. 

Outrora motivo de orgulho para os governistas, a Petrobras hoje protagoniza (na chamada Operação Lava Jato) um escândalo de corrupção que pode mudar a opinião pública sobre as empresas estatais (Foto: Acervo AL SP).
Mesmo com todo seu prestígio, Getúlio não pode abrir mão de sua última cartada para derrotar seus adversários políticos: em 1954, insistentemente acusado pela imprensa por corrupção (e já sem a força da censura do Estado Novo), ele decidiu tirar a própria vida. Com efeito de "prova incontestável de sua inocência", sua popularidade, antes desidratada pela forte campanha de denúncias da imprensa de oposição, foi restaurada instantaneamente com o suicídio. Foi sua última grande manobra política. Os chamados udenistas (membros da União Democrática Nacional, liderados pelo jornalista e maior adversário de Vargas, Carlos Lacerda) estavam arruinados. O Brasil estava órfão. A população se alternava entre fúria e luto, jornais foram incendiados, Lacerda era visto como um assassino. 

“A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma.”
Trecho da Carta Testamento de Getúlio Vargas



Enfurecida com a notícia do suicídio de Getúlio, população incendeia carros do jornal oposicionista O Globo, responsável por acusações ao estadista, 1954 (Acervo Agência O Globo).

Em tempos de crise ética e econômica é muito natural repensar o projeto político de uma nação. A História demonstra, em diversos episódios, a negação ou reafirmação de valores como forma de lidar com situações de instabilidade. Isso não quer dizer que a mudança seja necessariamente um elemento positivo para a sociedade: há muitas variáveis. No Brasil, populismo, direitos trabalhistas e a privatização de estatais são assuntos que dividem opiniões e instalam tensão no Congresso Nacional.
Lula cumprimenta populares durante uma cerimônia do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em Lauro de Freitas, na Bahia, 2010. Essa foto foi feita por Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial do Governo Lula.

Na conjuntura atual, é notável a semelhança entre o que Getúlio Vargas representou para a sociedade com o que Lula representa.
 Antes crítico declarado do projeto político de Getúlio, Lula adotou em seu governo posicionamento semelhante, Programas como o polêmico Bolsa Família rendem a ele (pelos seus opositores) o adjetivo de populista no sentido mais pejorativo possível. Por outro lado, governistas também o comparam a Vargas por razões mais românticas, como é o caso do jornalista Paulo Henrique Amorim:

'"Aos poucos, ao longo de sua carreira de líder trabalhista, Luís Inácio Lula da Silva se reconciliou com Getúlio Vargas. Nem sempre foi assim. O líder metalúrgico tinha uma visão sindicalista da herança da Consolidação das Leis do Trabalho. Ele acusava Vargas de ter fomentado o peleguismo e a burocratização dos sindicatos. Quando Lula se tornou Presidente, se deu conta, com as tentativas diárias de derrubá-lo, que a trajetória de Vargas tinha sido outra: lutar pelos pobres e defender o interesse nacional".
Paulo Henrique Amorim 

Nessa inevitável comparação, até mesmo o próprio ex-presidente Lula relacionou em diversas ocasiões sua situação diante de opositores com a vivida por Getúlio. A mais recente declaração se deu em um evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio de Janeiro:


"Pra saber o que está acontecendo agora no Brasil, é preciso entender o que aconteceu com JK, com Getúlio, com Jango e o que tentaram fazer comigo na presidência. (...) Eles fazem agora o que sempre fizeram a vida toda; a ideia básica é criminalizar, pela imprensa, porque aí já começa o processo pela sentença. (...) Toda vez que na historia da humanidade se tentou criminalizar a política, o resultado foi sempre pior. Veja a Operação mãos Limpas na Itália!"
Luís Inácio Lula da Silva durante ato da CUT no Rio de Janeiro (2015)

(Laércio/Folhapress)
A configuração política do Brasil foi completamente influenciada pela passagem de Getúlio pelo poder. Ainda vivo na boca do povo e dos novas lideranças que surgem década após década, seu nome parece estar blindado de qualquer atribuição negativa. Por outro lado, a contestação das heranças de seu projeto de poder se faz cada vez mais recorrente. Gostar, ou odiar, a forma como se faz política no Brasil, seja de oposição ou situação, também passa pelo entendimento do legado de Vargas. Salvo de reducionismos, a exemplo do Coronelismo e do mais recente Período Militar, é importantíssimo ressaltar a influência de outros capítulos da história do Brasil na constituição e prática do poder em nosso país.

PUBLICADO EM:

http://www.historiailustrada.com.br/


Equipe de produção do artigo:


Beatriz de Miranda Brusantin
Doutora em História Social pela Universidade Estadual de Campinas
Coordenação de Produção e Pesquisa Histórica
Bruno Henrique Brito Lopes
Graduando em História pela Universidade Católica de Pernambuco
Coordenação de Redação e Edição
Camilla Fernandes Nunes
Graduanda em História pela Universidade Católica de Pernambuco
Pesquisa Histórica e Produção de texto
Eduarda de Albuquerque Ferreira Barbosa
Graduanda em História pela Universidade Católica de Pernambuco
Pesquisa Histórica e Produção de texto
Raphael Esteves de Almeida Jacinto
Graduando em História pela Universidade Católica de Pernambuco
Supervisor executivo


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