ALARMANTE!
"PERDEMOS O MEDO DAS INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS E ISSO
ESTÁ NOS DEIXANDO DOENTES"
Sexo sem camisinha tem levado as IST´s a níveis epidêmicos. Especialistas comentam os motivos para esse comportamento
Uma ideia, uma pesquisa feita pelo
Ministério da Saúde mostra que 6 em cada 10 jovens já deixaram de usar
camisinha nas suas relações. Entre a população adulta, as estatísticas também
são preocupantes. Cerca de 52% dos brasileiros afirma que nunca ou raramente
usa camisinha.
O ginecologista José Eleutério
Junior, presidente da comissão de Doenças Infecto-Contagiosas da Febrasgo,
explica que apesar de a camisinha ser um método que ajuda a prevenir a maioria
das infecções transmitidas sexualmente (IST), a sociedade de uma maneira geral
não está adequadamente consciente disto e tem negligenciado seu uso.
Inversamente proporcional à nossa
baixa adesão ao uso da camisinha está nosso interesse em conhecer pessoas e,
potencialmente, nos envolvermos sexualmente com elas. Um exemplo disso é que o
Brasil é o 2º país onde que mais faz sexo no mundo, de acordo com uma pesquisa
feita pela fabricante de camisinha Durex.
Transar sem camisinha expõe o corpo
ao risco de contaminação por Infecções Sexualmente Transmissíveis, nome dado a
condições de saúde causadas por vírus, bactérias, fungos ou outros
microorganismos que podem ser transmitidas pelo contato genital (pênis ou
vagina), oral ou anal com pessoas que estejam contaminadas.
O Departamento de Vigilância
Prevenção e Controle das IST, do HIV/AIDS e Hepatites Virais passou a usar a
nomenclatura IST no lugar de DST. O motivo é que a denominação "D" de
DST deriva de doença, o que, de acordo com o Ministério da Saúde, implica em
sintomas e sinais visíveis no organismo.
Já as infecções podem ter períodos
sem a manifestação de sintomas, como a sífilis e a
herpes genital, e algumas até se mantém assintomáticas durante toda a vida da
pessoa, como o HPV e
o vírus da herpes, em alguns casos detectáveis somente por exames
laboratoriais. O termo IST também é comumente utilizado pela Organização
Mundial de Saúde. Portanto vamos falar IST's daqui pra frente.
Epidemia do sexo desprotegido
Como consequência das relações sem
camisinha, infecções que antes não apresentavam perigo à sociedade hoje são
consideradas epidemias. É o caso da sífilis, que desde 2011 vem crescendo no
Brasil. No ano de 2010 haviam sido registrados 1249 casos de Sífilis. Em 2015,
esse número saltou para 65.878, um aumento de mais de 5.000%, e chegou em
87.593 casos em 2016.
A sífilis é uma infecção causada
pela bactéria Treponema pallidum, geralmente é transmitida via contato sexual e
entra no corpo por meio de pequenos cortes presentes na pele ou por membranas
mucosas. O tratamento é feito a partir da penicilina.
Entre os anos 1990 e 2000, o uso da
camisinha era maior entre a população. Da mesma forma, o acesso à penicilina
era simples e de baixo custo. Isso fez com que houvesse uma redução nos casos
de sífilis. Mas foi justamente por ter um tratamento simples e por ninguém
acreditar que seria possível que a sífilis se tornasse uma ameaça que as
pessoas pararam de se preocupar com ela
Outra IST que vem preocupando
autoridades de saúde do Brasil e do mundo é a gonorreia, uma
doença causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae, também conhecida como
gonococo. Em julho de 2017 a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou um
alerta para o fato de que a gonorreia está se tornando cada vez mais difícil de
tratar. Segundo a Organização, em algumas situações a cura para a doença foi
considerada impossível, pois vem adquirindo resistência aos antibióticos.
No Brasil, a gonorreia ainda não
pode ser considerada como super-resistente. Mas é preciso atenção, uma vez que
por ano são registrados em torno de 500 mil casos no país.
Um levantamento feito pelo
Ministério da Saúde mostra que 54,6% da população entre 16 e 25 anos tem HPV.
Dessas cerca de 38,4% apresentam alto risco de desenvolver câncer de colo de
útero.
O infectologista Jessé Reis, do
Laboratório Delboni Auriemo Medicina Diagnóstica, explica que se não houver uma
conscientização sobre o perigo das IST's pode acontecer de elas se tornarem
doenças crônicas no futuro. "A infecção pelo HPV está ligada a evolução
para o câncer de colo uterino e de outros sítios. Hepatite B, também uma IST,
pode ocasionar cirrose e predispor ao câncer de fígado. Doenças simples, como
uretrites por gonococo e clamídia, podem levar a comprometimento da fertilidade
do casal", alerta.
Vírus HIV: do medo à negligência
Nem sempre o uso da camisinha foi
negligenciado. Nos anos 80 o mundo foi assombrado pela epidemia da AIDS, e
ninguém sabia muito sobre o assunto. Aqui no Brasil ela chegou recebendo o nome
de "doença desconhecida", e muitas pessoas acreditavam que era uma
infecção que só faria mal à população homossexual e dependentes químicos.
Tempos depois descobriu-se que esse era um tremendo de um erro e que a infecção
era capaz de contaminar qualquer pessoa, independentemente de sua orientação
sexual ou condição social.
"De repente o medo passou a
gerenciar o comportamento das pessoas. Com o tempo, pôde-se observar que todos
estavam expostos, e a solução apontada como a mais eficaz era o preservativo.
Com isso houve um aumento no uso da camisinha entre os jovens daquela
época", explica Reis.
No ano de 1987, as coisas
melhoraram com o lançamento do coquetel de medicamentos AZT. Em 1991, o país inicia
a distribuição gratuita de antirretrovirais. Como resultado das ações de
combate, no ano de 1999 o governo federal divulga uma redução de 50% de mortes
causadas pelas complicações da AIDS e 80% de infecções oportunistas, devido ao
uso do coquetel de medicamentos.
"A partir do momento que
começaram a surgir possibilidades de controle do HIV, o uso do preservativo,
que tinha recebido alguma adesão, passou a ser negligenciado. Perdemos o medo
de nos contaminar com Infecções Sexualmente Transmissíveis e isso está nos
deixando doentes", afirma a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, fundadora
e coordenadora geral do ProSex dos Hospital das clínicas da Universidade de São
Paulo.
Desinteresse pela camisinha: um
problema com diferentes motivos
Com os avanços na área da medicina,
a população não perdeu apenas o medo da AIDS, perdeu o medo também da diabetes,
hipertensão, colesterol, ataque cardíaco e, até mesmo, de alguns tipos de
câncer. As descobertas científicas e a inovação nos tratamentos nos deram a
possibilidade de conviver com doenças que antes matavam em curto ou médio
prazo. Ainda morre-se por causa dessas doenças? Todos os dias. Mas também é
possível conviver com elas.
Acredite: saber que existe um
remédio capaz de amenizar os sintomas de alguma doença é meio caminho andado
para, justamente, nos descuidarmos da própria saúde. Carmita acredita que em
relação à saúde, preferimos remediar a prevenir. Logo, é muito mais fácil pra
nós pensar em tratar uma Infecção Sexualmente Transmissível do que evitá-la.
"As pessoas acham que, se
existe um tratamento, é possível usufruir deste método. Atualmente quem convive
com o vírus HIV consegue ter uma qualidade de vida seguindo corretamente as
orientações médicas. Isso faz com que pareça que é tranquilo ter uma condição
de saúde como essa. Mas não é", ressalta a especialista.
m suma, somos um povo que padece de
esperança na ciência; e, ainda que inconscientemente, por conseguirmos conviver
com algumas doenças crônicas, acreditamos que somos invencíveis.
Para o psicólogo Oswaldo M.
Rodrigues Júnior, do Instituto Paulista de Sexualidade, essa sensação de
confiar demais e sentir-se imortal diante das doenças faz com que as pessoas
mantenham regras erradas nas escolhas que fazem para suas vidas, colocando-se muitas
vezes em situações de risco. E cada vez que se arriscam e não têm consequências
compreendem que estão confirmando que realmente são invencíveis entrando num
círculo vicioso.
Se apegar demais às próprias
certezas fecha a porta para possibilidades. Existem muitos homens que
apresentam um comportamento reativo diante da camisinha por acreditarem que o
preservativo diminui a sensibilidade e consequentemente a ereção. De fato a
camisinha pode fazer com que alguns sintam diferença, mas não são todos os homens
que manifestam esse problema e nem são todas as camisinhas que interferem na
ereção. Para falar a verdade, até existem alguns modelos que aumentam a
sensibilidade e prolongam e excitação. Portanto, com algumas mudanças de
ideia e alguns ajustes é possível ter uma relação prazerosa e segura.
Na visão da sexóloga Carla
Cecarello essa dificuldade em manter a ereção com o uso da camisinha tem uma
relação muito mais próxima com aspectos psicológicos do que físicos.
"Homens inseguros e que não confiam em seu desempenho costumam apresentar
problemas na hora de colocar a camisinha. Outros não enxergam como algo normal
interromper as preliminares para colocar o preservativo. É necessário que os
homens se conheçam, identifiquem suas fraquezas e aprendam a lidar com
elas", enaltece.
A resistência diante do sexo seguro
também tem uma questão geracional. Com o aumento da expectativa de vida do
brasileiro, prolonga-se também a vida sexual da população. Sendo assim, pessoas
idosas também são sexualmente ativas, mas, assim como muitos jovens, também não
usam camisinha.
O que acontece é que pessoas com
idade mais avançada tiveram um acesso menor à educação sexual quando começaram
a transar com outras pessoas - e sem informação fica difícil que elas entendam
a importância da proteção na hora do sexo.
A crença de que depois de certa
idade é desconfortável mudar antigos hábitos predomina nessa hora. Em paralelo,
existe também o fato de que usar camisinha parece coisa de pessoas que têm
muitos parceiros sexuais. Logo, explicar para um casal que está junto há
décadas que é necessário usar camisinha pode ser um assunto delicado de ser
abordado por um médico, por exemplo.
"As pessoas acima de 50 anos tinham entre 20 e 30 nas décadas de 1980 e 1990, época em que se discutia com mais frequência questões relacionadas ao aparecimento do HIV, e pouquíssimas foram educadas na infância e adolescência sobre sexualidade. Portanto, quando chegaram à vida adulta, tornaram-se adultos com um pensamento atrelado à época que tinham na adolescência", exemplifica Rodrigues. Ele completa dizendo que essas pessoas ao passarem uma ou duas décadas sem se contaminarem consideram isso como uma forma de serem imunes às IST's.
Mas ninguém é imune, e na última
década os casos de HIV em pessoas acima de 50 anos praticamente dobraram. Vale
lembrar que assim como na terceira idade não existe muita preocupação com
prevenção, essa população também raramente faz exames para rastreamento de
possíveis infecções sexualmente transmissíveis, fazendo com que muitas
condições de saúde sejam diagnosticadas apenas em estágio avançado. Atribuindo
assim mais um risco de morte à população idosa.
Muita prática pouca teoria
O sexo está presente na música, na
literatura, na televisão, na propaganda e principalmente nas nossas relações.
Mas fica de fora das nossas conversas pelo menos quando o assunto é prevenção.
E se não existe uma troca de informações assertiva, dificilmente vamos acertar
no momento da transa.
Um dos principais motivos que leva
a essa desinformação é o fato de que o sexo ainda é um tabu, mesmo que grande
parte da população seja sexualmente ativa. "Tanto jovens quanto adultos
não falam sobre sexo de forma responsável. a sociedade ainda está carente de
educação em termos de prevenção de IST", explica o ginecologista José
Eleutério da Febrasgo.
Esse hábito de evitar falar sobre
sexo seguro, de acordo com os especialistas, vêm de uma ideia moralista de que
quem fala muito de sexo é, de certa forma, promíscuo. Rodrigues explica que
tem-se a falsa ideia de que falar sobre IST's é quase uma comprovação de que
sexo demais causa doenças. "A construção social dirá que a pessoa que fala
sobre IST's é promíscua. Mas é justamente esse pensamento que facilita a
existência dessas condições de saúde, pois dificulta que se fale a respeito,
incluindo as possibilidades de enfrentamento e de prevenção dessas
infecções".
Carmita acredita que quando o
assunto é sexo o comportamento não acompanha o conhecimento. "Depois que
as pessoas iniciam a vida sexual sem camisinha dificilmente haverá um interesse
pela prevenção. É por isso que é importante que a educação sexual comece antes
da vida sexual prática", explica.
Falar sobre sexualidade na infância
pode incomodar. Afinal, parece que abordar esse tema com os filhos, de certa
forma, pode abrir caminho para uma sexualização precoce. Mas uma pesquisa
realizada pela OMS mostra o contrário.
Campanhas são feitas com a intenção de alertar sobre os riscos das DSTs, mas só funcionam em curtos períodos de tempo.
Campanhas são feitas com a intenção de alertar sobre os riscos das DSTs, mas só funcionam em curtos períodos de tempo.
De acordo com a Organização,
pessoas que foram informadas sobre educação sexual na infância, na verdade,
tiveram a primeira relação mais tarde do que aqueles não receberam essa
orientação. Essas pessoas transaram quando se sentiram prontas para isso. A
sexóloga acredita que quem não tem informação aprende sobre sexo com as
vivências e sem orientação é mais fácil de errar na hora da prática.
Publicidade sobre ISTs: qual o
público-alvo?
A questão da falta de informação
sobre sexo seguro não é responsabilidade apenas da população. Governo,
empresas, médicos e até a imprensa tem participação nisso. É papel da sociedade
como um todo abordar e informar sobre o assunto, mas não é isso que acontece.
Anualmente o Ministério da Saúde
realiza campanhas de conscientização sobre a importância do uso de
preservativo, ocupa espaço publicitário na grande mídia, disponibiliza
preservativos em postos de saúde e também em eventos como o carnaval. No
entanto, a mesma comunicação é direcionada para todos os públicos-alvos. Um
adolescente ou um jovem adulto até podem entender uma campanha tendo a cantora
Pabllo Vittar como protagonista, mas provavelmente não irá atingir da mesma
forma um casal da terceira idade. Do mesmo modo que uma publicidade em que os
personagens em questão são um casal heterossexual dificilmente vai representar
à população LGBT e vice-versa.
"As campanhas que temos não se
comunicam com as pessoas. Além de não serem dirigidas às diferentes camadas da
sociedade, elas apenas repetem que é necessário usar camisinha. Isso torna a
camisinha desinteressante, ninguém se sente estimulado usá-la. É preciso
erotizar o uso da camisinha, tirar as verdadeiras dúvidas das pessoas, torná-la
interessante sem ser vulgar", explica a sexóloga Carla.
Mesmo que a publicidade não dê
conta de falar com todos os públicos, é papel dos médicos perguntar aos seus
pacientes sobre a saúde sexual de seus pacientes. Mas infelizmente, devido ao
sexo ainda ser um tabu, nem o médico e nem o paciente se sentem confortáveis
para falar sobre prevenção.
Eleutério explica que devido à
correria diária a medicina preventiva é pouco usada, para piorar, os tabus em
torno do sexo dificultam esse diálogo. "Os pacientes só falam a respeito
quando manifestam algum sintoma genital. E o médico só aborda quando identifica
alguma anormalidade no paciente. O ideal é que a estratégia seja a educação
sobre o uso do preservativo e o diagnóstico precoce".
Vamos nos proteger?
Você se lembra da sua primeira
transa? Se sim, provavelmente deve ter achado aquela experiência um pouco
estranha. Não é mesmo? Mas com o tempo começou a gostar de sexo, foi
descobrindo as suas e as regiões erógenas de outras pessoas e se aprimorando na
prática.
A maneira como nos relacionamos
evoluiu com o passar do tempo. Se antes as pessoas com quem transávamos a
primeira vez eram, muitas vezes, com quem iríamos nos casar, hoje nosso leque
de opções está bem maior. Os relacionamento não duram tanto tempo, pessoas
viúvas perceberam que podem existir novos encontros após o luto e estamos
construindo novas configurações de relacionamentos.
Em suma, temos possibilidade de nos
relacionarmos com uma ou várias pessoas. Mas é importante que a gente usufrua
dessa liberdade com respeito às nossas vidas e as vidas dos outros. O uso da
camisinha tem tudo a ver com liberdade e respeito. E se cada um de nós tentar
se informar, ler sobre o assunto, conversar com as pessoas que estão próximas,
perguntar quando não souber, dizer não quando o parceiro (a) quiser transar sem
camisinha, teremos mais saúde e faremos um sexo seguro e gostoso.
FONTE: www.minhavida.com.br
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