BRASÍLIA,
59 ANOS!
UMA
CIDADE SONHADA POR DOIS SÉCULOS
A
transferência para o interior do país é defendida desde o período colonial. A
construção de uma nova capital, porém, passou por vontades políticas distintas,
muitas mudanças de governo até se transformar em realidade com Juscelino
Kubitschek
Foto:
Vinícius de Melo / Agência Brasília
Brasília
completa 59 anos, mas, pela história, poderia ter facilmente 268 anos. Sonhada
por mais de dois séculos, a criação de uma nova capital no interior do país é
defendida desde o período colonial. No início,o objetivo era proteger a colônia
de invasões que poderiam vir do litoral. Com o passar dos anos, a tese passou a
ser o desenvolvimento do interior do país. Muitas idas e vindas, vontades
políticas distintas, mudanças de governo até a construção da capital se
transformar em metassíntese do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e sair do
papel.
“A
transferência da capital para o interior do país não ocorreu bruscamente,
tampouco gozou de unanimidade. Foi um lento processo em que poucos acreditaram
e, desses, uma porcentagem ainda menor o defendeu publicamente”, afirma
Jeferson Tavares, autor do livro Projetos para Brasília: 1927 – 1957, que conta
a história da transferência da capital e dos projetos feitos para Brasília.
“Não tardaram as vozes contra essas ações, denominando-as de loucas e insanas”,
completa.
É
atribuída ao Marques de Pombal a ideia mais antiga que se conhece de transferir
a capital do Brasil para o interior. Em 1751, ele contratou um cartógrafo
italiano que elaborou a carta geográfica de Goiás e ressaltou o valor
estratégico do Planalto Central. Anos depois, em 1789, os inconfidentes
mineiros queriam transferir a capital para São João Del Rey, em Minas Gerais,
com a alegação de vantagem estratégica (segurança) e demográfica (povoamento do
interior).
Com
a proclamação da Independência e a Assembleia Constituinte, José Bonifácio foi
mais uma voz a defender a mudança. Ele chegou a sugerir o nome Petrópolis
(cidade de Pedro) ou Brasília para a nova capital, que seria erguida na comarca
de Paracatu do Príncipe, Minas Gerais. A Constituição de 1824, porém, não
incorporou a tese da interiorização da capital.
Foi
apenas com a Constituição de 1891 que surgiu o primeiro marco legal para a
interiorização: em seu artigo 3º, a lei reservou à União uma área com 14.400
quilômetros quadrados no Planalto Central, que seria oportunamente demarcada
para nela estabelecer-se a futura Capital Federal. “Sempre se falava em ir para
o interior, por causa da vulnerabilidade do litoral. Mas não havia nenhum
estatuto legal até então”, conta o historiador do Arquivo Público do DF, Elias
Manoel da Silva.
Comissão
Cruls
Floriano
Peixoto, o primeiro presidente da República, criou a Comissão Exploradora do Planalto
Central do Brasil em 1892. Presidida por Luiz Cruls e formada por 22
expedicionários, eles passaram sete meses no Planalto Central e delimitaram o
quadrilátero de 14.400 km² conforme determinava a Constituição. Dois anos
depois, Luiz Cruls publica o relatório da expedição e, graças ao sucesso da
missão, o presidente envia uma segunda comissão ao Planalto Central, que
estudou a área demarcada e especificou o melhor lugar para a construção da
cidade: entre os córregos Gama e Torto, onde hoje está Brasília.
Tudo começou com eles a mando do Presidente Floriano Peixoto! Comissão
Cruls, formada por 22 expedicionários, passou sete meses no Planalto Central e
delimitou o quadrilátero de 14.400 km² para o Distrito Federal
Foto:
Arquivo Público do DF
“Estava
tudo pronto para começar a construir a capital, mas o governo de Floriano
Peixoto chegou ao fim e seu sucessor, Prudente de Morais, paulista, não queria
a mudança da capital, como seus conterrâneos”, lembra o historiador.
“Propuseram a reforma do Rio de Janeiro, Prudente de Moraes cortou as verbas da
comissão de estudos da nova capital e a ideia morreu por aí”, explica Elias
Manoel.
Mais
cem anos se passaram até que, no Centenário da Independência, em 1922,
deputados mudancistas voltaram a falar da transferência da capital. Eles
defendiam que as ideias da Constituição fossem resgatadas e fizeram um projeto
de lei para que uma pedra fundamental fosse colocada dentro do quadrilátero
reservado ao futuro Distrito Federal. No dia 7 de setembro de 1922, ao meio
dia, a pedra fundamental da nova capital é assentada próximo a Planaltina – um
marco para a concretização das aspirações para a interiorização da capital.
A
Constituição de 1934 volta a prever a transferência para o ponto central do
Brasil, mas apenas em 1946, com a quarta Constituição Republicana, a lei volta
a representar ação prática para a mudança: o presidente Eurico Dutra nomeia um
novo grupo técnico para realizar estudos de localização. Liderada por Djalma
Polli Coelho, a comissão indica o mesmo território apontado por Luiz Cruls.
O
relatório da comissão Djalma Polli é enviado ao Congresso Nacional em 1948, mas
só é aprovado em 1953. Um projeto de lei autoriza o governo a definir o sítio
da nova capital e Getúlio Vargas cria uma Comissão de Planejamento da Mudança
da Capital Federal. Um ano depois, com assessoria de empresas de foto análise e
foto interpretação, a delegação indica os cinco melhores sítios para ser
construída a nova capital e o governo enfim escolhe o Sítio Castanho como local
exato para a construção da nova capital.
JK
Neste
momento, a história da transferência cruza-se com a de Juscelino Kubitschek,
então candidato à Presidência da República. Em 4 de abril de 1955, em um
comício na cidade de Jataí (GO), JK é questionado se cumpriria a Constituição e
faria a transferência da capital caso fosse eleito. “Quero confessar que até
aquele instante não havia fixado, com a devida atenção, o problema da mudança.
Mas tive que responder de pronto à pergunta”, escreveu Juscelino mais tardeCom a
eleição de JK, a construção da capital começa a se tornar realidade. Em
setembro de 1956, é sancionada a lei que criou a Companhia Urbanizadora da Nova
Capital (Novacap) e deu o nome de Brasília à capital. As obras começaram em
outubro daquele ano e, depois de três anos e meio, Brasília é inaugurada em uma
festa que durou quase dois dias.
As
obras de Brasília começaram em outubro de 1956 e ficaram prontas depois de três
anos e meio Foto: Arquivo Público do DF
“São
dois séculos de história, mas faltou vontade política em outros momentos e um
cara ousado como foi JK”, afirma Elias Manoel. “Mas Juscelino só pôde construir
a capital em um único governo porque, quando assume a presidência, o Distrito
Federal já está delimitado, o local escolhido e desapropriado. Todos os
trabalhos da comissão foram passados para a Novacap”, opina o historiador.
Entre
os graus 15 e 20 havia uma enseada bastante longa e bastante larga, que partia
de um ponto onde se formava um lago. Disse, então, uma voz repetidamente: –
Quando se vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá
aqui a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza
inconcebível
Dom Bosco
Dom Bosco
Os
livros de história contam que a fundação de Brasília teria sido até mesmo
profetizada por um santo. Em 1883, Dom Bosco, santo italiano fundador da
Congregação dos Salesianos, teria sonhado que fazia uma viagem à América do Sul
e viu um local especial ao chegar à região entre os paralelos 15° e 20°, onde,
nas palavras de um anjo que o acompanhava em sua visão, apareceria “a terra
prometida” e que seria “uma riqueza inconcebível”.
A
visão acabou sendo interpretada como uma premonição do local em que deveria ser
construída a nova capital do Brasil. Mas Dom Bosco nunca viajou à América do
Sul e historiadores afirmam tratar-se de uma manobra política criada por
parlamentares mudancistas goianos para assegurar a construção da Capital
Federal no Planalto Central brasileiro. O episódio é até apelidado de “Operação
Dom Bosco” pelo jornalista e historiador Jarbas Silva Marques.
“O
sonho existiu, mas foi usado na década de 50 pelos goianos para justificar a
construção de Brasília. Eles foram muito espertos, ressignificaram o sonho para
dizer que até Deus queria Brasília. Havia uma forte oposição contra a mudança
da capital, mas o povo brasileiro é muito religioso”, afirma o historiador
Elias Manoel da Silva. Para a arquiteta Angelina Nardelli Quaglia, que estuda a
história de Brasília há 14 anos, o sonho de Dom Bosco acabou se transformando
em uma “simpática lenda”. “Alguns estudiosos atuais dizem que foi uma
manipulação do sonho para fazer as pessoas acreditarem que aqui era um lugar
prometido. Na época havia a necessidade de se criar essa comoção nacional, foi
uma forma de convencer as pessoas”, acredita.
Agência Brasília-GDF
Gizella Rodrigues
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