COMO FAZER UM INFERNO.
Sim, o
inferno existe. Ele é individual, pessoal e intransferível.
Cada pessoa
carrega o seu onde quer que vá, feito por ela própria, da mesma forma que
carrega o paraíso quando escolheu a opção oposta.
A receita
para fazer um inferno é simples. As pessoas nascem sabendo como se faz isso e o
fazem sem perceber que sabem como fazê-lo.
Em todo
caso, para aqueles que ainda não possuem seu inferno, aqui vai a receita de
como montá-lo de forma eficiente e eficaz:
Comece por
aceitar todas as idéias prontas que surgem. Acredite que tudo que vem da
televisão é verdadeiro.
Minta,
minta bastante.
Nunca, em
hipótese alguma, pare para questionar alguma coisa.
Pensar com
critérios sérios, escolhendo com bom senso, agindo sinceramente consigo mesmo,
são espécies de contra-receitas para fazer se um inferno. Ou seja, haverá
fracasso na sua criação.
Atenção! Isto é importante: jamais seja sincero.
Falar
demais e pensar de menos é um aditivo importante no processo.Os
desentendimentos que isso causa podem acelerar sensivelmente a construção do
inferno.
Endividar-se
além das possibilidades de ganho é outro comportamento importante para obter
êxito no pleito. Portanto, poupança nem pensar.
Ao invés de
se dedicar na tarefa de descobrir as capacidades inatas em si mesmo, passando
apenas a sentir inveja daqueles que o fazem, é algo que colabora demais na
construção infernal.
Acreditar
naquelas pregações baratas cujo único objetivo é o saldo de uma conta bancária
ajuda demais. O processo é mais rápido para aquelas pessoas que emprestam sua
fé para os outros por preguiça de procurarem elas mesmas a verdade.
Outro
componente infalível na receita é sempre procurar trabalhar no que não gosta,
ou não tentar - ao menos - descobrir algo para gostar no trabalho que faz.
Acreditar
no que dizem os políticos sem pesquisar se há alguma verdade ali e depois votar
naquele que achar mais simpático, carismático, eloqüente e, como diria o sábio
povo da roça, escorregadio. Interessante neste caso é que não haverá
colaboração apenas para a construção do inferno da própria pessoa que o deseja,
mas também, para a coletividade no entorno.
Sim,
existem pessoas que laboram pela construção de um inferno coletivo. Mas isso,
na verdade, é apenas uma aglomeração de infernos próximos. As guerras acontecem
dessa forma. Seus arquitetos são exímios construtores de inferno.
Outra parte
importante da receita: ignore os conselhos paternos.
Agora
existem ingredientes sutis na receita. Fazem parte da categoria dos
sentimentos.
Cultivar a
indiferença dizendo que nada tem a ver com o problema que afeta as outras
pessoas.
Aceitar o
ciúme como algo normal extrapolando na ilusão da propriedade sobre o outro e
arrasando relacionamentos é certeza da construção de um inferno bastante
sólido, cuja reversão custará um oceano de lágrimas.
Ampliar o
repertório de desculpas.
Afinal,
aquele que passa fome faz isso por conta própria. Isso é algo assim como o rabo
do elefante afirmando que não pertence ao elefante, simplesmente porque não o
pode ver por inteiro. Esta parte da receita, sozinha, é capaz de montar um
inferno amplo, pois os preteridos da vida sempre acabam por se voltar
indiscriminadamente contra tudo e contra todos. Esse é o famoso inferno que vem
a cavalo.
Deixar as
crianças por si mesmas entregues a toda sorte de vicissitudes é algo que não
apenas ajuda a criar um inferno, mas faz com que ele se amplie geometricamente
como se tivesse vida própria.
Não fazer
agora o que deve ser feito agora, perdendo o momento adequado, é algo que
auxilia demais. Mesmo porque, depois, a inutilidade do arrependimento é um
fardo do qual será impossível se livrar. Aliás, esse é o inferno agregado.
Porém, se o
objetivo é criar o paraíso, apenas inverta a receita.
Mensagem original: Desembargador Eduardo Mayr
(Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro)