'Um matador de aluguel não tem nenhum distúrbio mental, tem
um distúrbio de valores sociais', diz o psiquiatra forense Miguel Chalub,
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 'O valor social base de
nossa sociedade é que não se pode matar uma pessoa, a não ser em situações
excepcionais, como a legítima defesa. No sistema de valores desses matadores,
matar uma pessoa não é errado, é um fato possível na vida social, uma maneira
de ganhar a vida como outra qualquer.'
Menos de 10% dos assassinatos acontecem em locais em que o
poder aquisitivo é alto. A desigualdade de renda acaba sendo um anabolizante
da violência para quem tem escassas chances de mobilidade social. 'É um Volvo
passando ao lado de quem não tem nem saneamento', compara o sociólogo Renato
Sérgio de Lima, especialista em violência.
Não é apenas a criminalidade que aumentou no Brasil, mas
também a gravidade dos delitos. E a crueldade com que são cometidos. 'Apenas
a questão social não explica os requintes de crueldade. Alguma coisa faz o homicida
se sentir Deus ao ter o poder de vida e morte', diz a psicanalista Miriam
Chnaiderman, que prepara um documentário sobre o tema chamado Arma na Mão. 'A
crueldade, quase sempre, é movida por vingança ou sentimento de inveja',
aponta Chalub. 'Não tem a ver com loucura. As pessoas normais é que são
assim. Têm inveja, despeito e revolta.'
Um imaginário inteiro que inspirou Chico Buarque a compor
odes à malandragem e canções como ' O Meu Guri' desvaneceu-se nas curvas
ascendentes das estatísticas. Os trombadinhas fazem parte do passado num país
em que garotos como R.B. começaram a matar com 12 anos e chegam aos 23 com
cinco mortes na consciência.
Entre dezembro de 2000 e julho de 2003, o número de
internos na Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), em São
Paulo, cresceu 53%. No mesmo período, a quantidade de infratores cumprindo
medida socioeducativa por tentativa de homicídio, homicídio e latrocínio
aumentou 85,5%. Adolescentes entre 12 e 15 anos representavam 11% do total.
Hoje somam cerca de 20%.
Em 20 anos, a taxa de homicídios cresceu 230% em
São Paulo e no Rio de Janeiro
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Nos redutos dominados pelo tráfico, como nas favelas do
Rio, a maioria dos moradores é de cidadãos honestos, trabalhadores, que
travam uma luta diária de resistência com a bandidagem que domina pela força
das armas. Fazem enormes sacrifícios para manter os filhos na escola e, ao
final, descobrem que terminar o ensino médio não é suficiente para assegurar
emprego, muito menos progresso na vida. Numa idade em que o grupo de amigos
tem mais influência que a família, eles têm de competir com as ofertas tentadoras
do tráfico, que garantem poder e dinheiro fácil, mas vida curta. Como
convencer um adolescente bombardeado pelos apelos do consumo que é melhor
trabalhar o dia inteiro para ganhar salário mínimo no fim do mês que desfilar
de carro, roupa de grife e ganhar R$ 150 por semana, inicial de um olheiro no
tráfico? 'Temos de disputar com o tráfico menino a menino', diz Luiz Eduardo
Soares, secretário nacional de Segurança Pública. 'Precisamos oferecer a
essas crianças que estão morrendo tão cedo as mesmas vantagens que o tráfico
oferece, só que com sinal invertido. Ou seja: se no tráfico eles têm acesso a
dinheiro, poder, reconhecimento e valorização, do outro lado vão ter renda,
reconhecimento e valorização, no sentido positivo.'
Se na periferia se mata por um desentendimento no jogo de
cartas, a classe média extravasa a agressividade matando gente em rachas de
carro ou brigas no trânsito, botando fogo em índios e mendigos, assassinando
pai e mãe ou exterminando namorada. A probabilidade de ser morto durante um assalto
é menor do que numa briga pessoal. Com um revólver na cintura ou debaixo do
banco do carro e algumas doses de álcool ou droga na cabeça, qualquer um pode
perder a razão e se meter a valente. Esse é o risco do revólver ao alcance da
mão. Até 1979, um em cada quatro homicídios era cometido com armas de fogo.
Hoje, essa relação é de três assassinatos para cada quatro.
Três em cada quatro homicídios são cometidos com
armas de fogo
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Foi assim, num ataque de fúria de um pai de família armado,
que morreu em julho o ator e diretor de teatro Carlos Alberto Formaglio
Oliveira, aos 34 anos, na Baixada Fluminense. Ele viajava ao lado do amigo
Gustavo Ernesto Almeida. Um caminhão que estava na frente do Fiesta que
Almeida dirigia freou bruscamente. Ele conseguiu evitar a colisão, mas outro
carro, que vinha atrás, acabou batendo na traseira do Fiesta. Mesmo com a
família no automóvel, o motorista enfurecido disparou contra o ator, que
morreu com um tiro na cabeça. O assassino fugiu. Carlos Alberto tinha acabado
de dar uma aula. Ensinava jovens carentes a interpretar.
Escrito por Comendador Eduardo de Oliveira.
O Ciúme que mata.
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O ciúme ainda mata - e muito - no Brasil. As estatísticas
mostram que a maioria das mulheres é assassinada dentro de casa. E o
principal algoz é o próprio marido ou companheiro. Ou o ex que não se
conforma com o fim do romance. Em 1o de setembro, o estudante de Direito
Higor Catirsi, de 22 anos, chocou o país ao descarregar um revólver contra a
ex-namorada Camila Duarte, de 22 anos, dentro de um shopping na Zona Norte da
capital paulista. Higor não se conformou com o fim do relacionamento. Depois
de assassiná-la, suicidou-se. Duas jovens vidas desperdiçadas.
Dois dias antes, na tarde de 30 de agosto, o
ex-gerente-financeiro da Kellog's Antonio Gissi Tomaz assassinou a antiga
namorada em Santa Bárbara d'Oeste, cidade do interior paulista. Sandra
Cristina de Souza, de 24 anos, foi aniquilada com três tiros porque não quis
reatar o romance. Em 40 anos de vida, Tomaz teve apenas duas mulheres.
Assassinou ambas.
Em abril de 2000, ele havia cravado uma bala na cabeça da
esposa, Valquíria Alves da Rocha, em Campo Limpo, bairro da Zona Sul de São
Paulo. Os filhos do casal dormiam no quarto ao lado. Segundo os irmãos de
Valquíria, Tomaz era um homem ciumento e violento. Testemunhas revelaram à
Justiça que ela apanhava do marido. O casal vivia em crise, com acusações
mútuas de traição. Sandra, a segunda mulher, morreu porque a Justiça
considerou que Tomaz não representava uma ameaça à sociedade. Ele respondia
pelo primeiro crime em liberdade. Fez a segunda vítima três dias antes da
data marcada para o julgamento.
A impunidade é uma das manchas mais vergonhosas do Brasil.
E um dos fatores que colaboram para produzir a chacina diária no país.
Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, apenas 1% dos homicídios
chega a ser esclarecido pela polícia. Apesar de as cadeias estarem
abarrotadas, a média nacional de prisão de homicidas não chega a 10%. Pelo
menos 70% dos casos são arquivados pela precariedade da investigação. Sem
contar que muitas 'confissões' são obtidas por tortura nas delegacias,
desqualificadas ä mais tarde nos julgamentos. 'A impunidade é um dos
combustíveis que alimentam a violência', diz o coronel José Vicente. 'A
certeza de que a pessoa pode matar e não vai acontecer nada.' Nos Estados
Unidos, o único país rico com alta taxa de homicídios, exatamente pela
facilidade de obtenção de armas, 70% dos casos são solucionados e os
assassinos presos.
Menos de 10% dos assassinos são presos no Brasil
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A violência assalta os redutos da classe média e seus
crimes ganham mais espaço na mídia, mas o matador e a vítima, no Brasil, têm
a mesma cara: homem, jovem e pobre. 'O perfil mais freqüente do assassino é
igual ao da vítima', afirma o sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares, há dez
anos estudando a violência no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (Iuperj), da Universidade Candido Mendes. 'É homem, jovem, pobre,
mata por motivo fútil, usualmente com arma de fogo, em geral com revólver
calibre 38, durante o fim de semana.'
Este é o DNA social que transformou o Brasil no campeão
mundial de assassinatos. Filhos sem pai, mães trabalhando duro fora de casa,
escola deficiente, escassas perspectivas de mobilidade social e o código das
ruas por formação. Tudo isso num cenário de barracos confinados, quase um
campo de concentração. Se antes ser jogador de futebol era uma chance de
mudar de vida - e de bairro -, hoje até os campinhos desapareceram da
paisagem urbana.
Quando a família, a escola e o Estado falham, a sociedade
paga a conta. Quando se arranca a humanidade do homem, a vida não vale nada.
Nem a do matador, nem a da vítima. Quando, somado a isso, é possível comprar
na esquina um revólver calibre 38 por menos de R$ 100, é o país que está
ferido de morte.
Escrito por Comendador Eduardo de Oliveira.
Q:R.B. - 'Matei
cinco pessoas'
R.B., 23
ANOS
Matou o
primeiro aos 12 anos. Depois foram mais quatro
'Matei um menino de rua porque ele jogou um monte
de cola no cabelo da minha namorada. Ele era muito folgado, batia nas
crianças menores. Dei cinco tiros de 32. Eu tinha 12 anos' R.B., bandido
|
Matei cinco pessoas. Parei de estudar na 4ª série e escolhi
essa vida porque tinha vontade de ser igual a meu pai. Ouvia dizer que ele
era ladrão. Minha mãe me educou direitinho. Nunca me faltou nada. Ela me
internou porque eu era viciado em crack. Fugi do abrigo e fui morar na rua.
Lá aconteceu o primeiro homicídio, por causa de uma namorada, a Leninha. Eu
tinha 12 anos. Matei um menino de rua porque ele jogou um monte de cola no
cabelo dela. Ele era muito folgado, batia nas crianças menores. Dei cinco
tiros de 32. Quem é ladrão tem um ritmo diferente na mente, resolve as coisas
assim. Tinha 14 anos quando matei pela segunda vez. Um parceiro pegou umas
armas emprestadas e não devolveu no dia combinado. Perdeu um revólver e não
pagou. Depois que a gente mata o primeiro fica mais fácil matar outros. O
terceiro também foi devido a uma treta. Eu roubava na quebrada e lá tinha um
ladrão muito folgado. O maluquinho gostava de tomar as minhas coisas:
relógio, bicicleta... Foi cena rápida. Eu e um amigo sentamos o dedo. O certo
é ladrão respeitar ladrão. Não é pelo pão. É pela atitude.
Um tempo depois fui para a Febem, por causa de um
latrocínio. Tinha 15 anos. Eu e outro cara abordamos um homem num farol. A
nossa intenção era levar só o carro. Só que, na hora que mandamos o cara
descer, ele tentou pegar a arma do meu amigo. O Romualdo deu só um tiro. O
rosto da vítima ficou gravado na minha cabeça. Depois fiquei quase um ano na
rua morando com a minha ex-mulher e a minha filha na Vila Brasilândia. Tava
trabalhando. Mas fazia umas paradas porque tinha de colocar as coisas dentro
de casa. Um dia eu tô numa viela e chega a minha mulher. Ela fez um show
porque uma amiga tava lá comigo, fumando crack. Disse que ia me deixar.
Expliquei que não tinha nada a ver. Mas que, se ela não tava acreditando, eu
ia provar. Naquela noite peguei uma faca na cozinha e chamei um colega. Dei
umas dez facadas na garganta da minha amiga. Peguei uma pedra e joguei na
cabeça dela. Meu colega queimou o corpo. Quando o crime aconteceu eu tinha 18
anos. Nunca tive essa natureza de querer fazer mal para os outros por
qualquer motivo. Na hora a consciência não pesa porque a gente pensa que tem
um motivo. Mas uma vez o espírito da minha amiga apareceu no meu sonho no
meio de uma fumaça. Já vi muita gente morta. Mas não sou um cara frio. Três
dos caras que matei mereceram morrer, ou porque eram ladrões, ou porque deram
mancada. Mas no caso da minha amiga e do rapaz do latrocínio me arrependo.
Eram inocentes. Não tenho medo de morrer, não. Acho que vou ter vida longa.
Mudei para a cela dos evangélicos pra buscar um refrigério para minha alma.
Rogério
Schwarz - 'Em menos de 20 segundos'
ROGÉRIO
SCHWARZ, 22 ANOS
Estudante
de Direito, matou a noiva por ciúme
Em menos de 20 segundos acabei com a vida da minha noiva e
a minha. Foi um ato de desespero, por ciúme. Estou arrependido. Lembro-me
disso todos os dias, todas as noites. Não consigo dormir. Sonho com a Amanda.
Sempre a vejo no local onde ocorreu o crime. Sentada num canto, com a mesma
roupa: calça jeans e blusa azul. Como se ela não acreditasse que aquilo
pudesse ter acontecido. Ela foi minha única namorada. Ficamos cinco anos
juntos. Tínhamos nossa casa, nosso carro, uma loja de roupas. Até que
começamos a brigar muito. Qualquer coisinha era motivo para discussão. Estava
no 3º ano de Direito e resolvi trabalhar no escritório de advocacia do meu
pai. Não acreditei quando um amigo me contou que a Amanda estava se
relacionando com outra pessoa. Nos afastamos ainda mais. Mas não
definitivamente. Quando descobri que aquilo era verdade, que ela tinha outro,
entrei em desespero. Sofri durante um mês. Estávamos de casamento marcado.
Foi uma tortura psicológica. Minhas notas na faculdade caíram. Não tinha
cabeça para mais nada. Só pensava nela. Não sabia o que fazer. Ela não era só
a minha noiva, era minha amiga, companheira, era o ar que eu respirava. Eu
precisava dela. Era obcecado. Até hoje não consigo entender por que fiz
aquilo. No dia 21 de novembro de 2001, por volta das 16 horas, saí para
buscar tinta para uma reforma. Guardava uma arma na loja. Como não conhecia
as pessoas que trabalhavam ali, resolvi deixá-la no carro. Foi quando
encontrei a Amanda. Começamos a discutir. Nos ofendemos. Perdi a cabeça. Fui
até o carro e peguei o revólver. Um Schmidt, calibre 38. Fiz quatro disparos
contra a Amanda e saí sem rumo, no meu carro. Minha vida não tinha mais
sentido. Tentei me suicidar, dei um tiro no meu peito. Mas não consegui
morrer. Queria ir junto com ela. Ela teve uma parada cardíaca no caminho do
hospital. Morreu uma hora depois. A partir daquele momento não vivi mais.
Sofro de síndrome do pânico. Tomo antidepressivos. Nada me conforta. Não
tenho paz. Ainda a amo.
Escrito por Comendador Eduardo de Oliveira às 07h39
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P.S.L. -
'Matei 13 pessoas'
P.S.L.,
32 ANOS
Matador
de aluguel fez 13 vítimas e está solto
Matei 13 pessoas. A primeira porque quis atrasar um assalto
e as outras 12 por encomenda. O que o dinheiro mandar, vou buscar. Nunca usei
tóxico, mas entrei no crime vendendo droga porque a situação em casa apertou.
Tem o ditado que diz: depois que vai o primeiro, vai um monte. Um cara tava
num bar e me viu assaltando na rua. Veio com um taco de bilhar pra cima. Eu
tinha 17 anos. Dei um tiro só, certeiro. Não senti pena. Tudo o que fiz foi
consciente. O primeiro convite para matar foi em 1995. Comentei num barzinho
que tava desempregado e que ia começar a matar pra ganhar dinheiro. Um
traficante me ofereceu R$ 5 mil pra apagar um cara que devia R$ 200 pra ele.
Fiquei meio assim. Mas pensei: se o cara gosta de roubar e matar pra comprar
droga, então ele tem de achar alguém pra mandar ele pro saco. Aí começou a
aparecer empresário, gente importante. Fui preso por roubo e batizado pelo
PCC na Casa de Detenção (penitenciária de São Paulo). Quando saí da
condicional, há um ano, caíram outras condenações, mais de 100 anos. Matar é
o meu ganha-pão. Joguei sete tiros na cara do dono de um sítio que cobrava
pedágio na rua. Mas se alguém me oferecer matar mulher, criança ou idoso, eu
apago essa pessoa. É covardia. Matei o concorrente de um traficante por R$ 60
mil. Se for empresário ou famoso, por menos de R$ 100 mil a gente não faz. Se
for vagabundo ou nóia, por R$ 500 vai. Teve um cara que morreu porque ficou
devendo R$ 5 pra um traficante. Já matei um que contratou a gente pra apagar
um cara. Ele disse que a vítima devia dinheiro pra ele. Mas era mentira.
Outro foi um policial que tinha levado muito dinheiro da gente. Em Mato
Grosso, apaguei um cara que mandou cocaína misturada para São Paulo. O pó
devia ter vindo puro. Outra vítima foi um cara que entrou para a diretoria de
uma empresa de ônibus. Quem pagou foi um cara do partido de oposição. O outro
foi o dono de uma boate no Centro de São Paulo. Quando ouvi a voz dele e vi a
sombra atrás do olho mágico, coloquei o revólver e dei. Também apagamos um
perueiro que tava tomando as linhas de pais de família. Prefiro usar pistola
calibre 40 porque o impulso é mais leve. Já ganhei muito. Mas não tenho nada.
Gosto de comprar roupa de marca. O meu filho mais velho estuda em escola
particular. Só de me lembrar dos meus três filhos dá vontade de chorar
(mostra as fotos das crianças e do avô que carrega na carteira). Minha mulher
não sabe que eu sou matador. Acha que eu vendo roupa do Paraguai. Se passa
alguma matéria na televisão, falo para os meus filhos não dar atenção porque
é sobre gente que não presta. Sei que só tenho dois destinos: a cadeia ou a
morte. Prefiro a morte porque pra cadeia não volto mais. Tenho sangue-frio.
Mas muita fé em Deus. Vou à igreja evangélica. Acho que Deus quer livrar o
pecador. O certinho não precisa.
Escrito por Comendador Eduardo de Oliveira.
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CÉSAR
CAVALCANTI, 29 ANOS
Comerciante,
ele matou em legítima defesa
Era uma quinta-feira, 22h40. Estava na frente da minha
casa. Minha namorada desceu do carro para pegar uma chave e me avisou que
dois caras vinham naquela direção. Um encostou e puxou a arma. Só que a minha
estava no banco, pronta. Na hora que ele anunciou o assalto, levou um susto.
Foram momentos dramáticos para a minha namorada. Ela se agachou atrás do pneu
para se proteger. Podia ter morrido. Foi fogo à vontade. O primeiro que eu
acertei correu uns 50 metros e caiu. O outro foi atingido nas costas, mas fugiu.
Acho que as pessoas não devem reagir nem andar armadas. A maioria das armas
que estão com os bandidos passou pelas mãos de cidadãos de bem, que não sabem
usá-las em situações de emergência. Só usei porque fui policial por dois
anos, conheço minhas emoções e reações. Sabia que a posição era favorável
para mim. Há seis anos sou proprietário de posto de gasolina. Como fui vítima
de tentativa de roubo, o promotor não ofereceu denúncia. Não me arrependo de
ter matado. Eram bandidos. Mas aquela quinta-feira mudou a minha vida. Tive
de sair do bairro onde eu nasci. Em geral, o ladrão não se vinga de quem vai
oferecer resistência. Ele não é herói. Vai na covardia. Atinge a gente
ferindo quem está próximo: pai, mãe, filhos. Toda a minha família foi
castigada. Tivemos de vender tudo e ir embora do bairro. O ladrão morava a
500 metros da minha casa, mas não me conhecia porque era novo na área. Fiquei
sabendo que ele queria me pegar dois dias depois da ocorrência. Os amigos
dele fizeram o acerto no velório do que morreu. Eram 12 caras. Eu estava no
shopping com minha namorada e meu filho quando meu pai ligou. Implorou para
que eu não voltasse para casa porque queriam me matar. Mas eu não podia
deixar minha família sozinha. Uma viatura da polícia ficou na frente da minha
casa. Os bandidos passavam devagar pela rua, olhavam para dentro. Quatro
carros ficaram circulando por ali a noite inteira para me intimidar. Como
quem diz: não adianta você dormir que a gente está aqui. No domingo, às 8
horas da manhã, saímos com escolta. Tinha até grampo em nosso telefone. É
humilhante ter de fugir de casa por causa de bandido. O bairro é perigoso.
Mas eu nasci lá. O meu pai também. O meu avô foi o primeiro policial a ir
para aquele bairro. Meu pai foi comandante da área na década de 80. Eu também
trabalhei ali. Nós tínhamos raízes que foram cortadas na marra. Soube que,
pouco antes de tentarem me assaltar, os caras tinham matado cinco ou seis
pessoas numa chacina, inclusive uma mulher grávida. A polícia já tinha
problemas com aquele grupo. Eles davam rajadas de metralhadoras 3 horas da
tarde dentro da favela. Nós ainda saímos e compramos casa num outro lugar. E
quem não tem condições?
Escrito
por Comendador Eduardo de Oliveira.
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Marcelo
de Andrade - 'O sadismo tinha subido à minha cabeça'
MARCELO
DE ANDRADE, 36 ANOS.
Serial
killer, ele matou 13 meninos.
Estou aqui no manicômio porque errei lá fora. Infringi a
lei. Quando eu morava com o meu pai e minha madrasta, fugi de casa. Nesse
tempo eu tinha uns 10 anos de idade. Na rua, eu ficava me prostituindo. Fiz
isso até os 20 anos. Ganhava muito dinheiro. Por isso estou preso. Teve
também 13 rapazinhos. Eu fazia sexo com eles. Eram só meninos, mas eu não sou
homossexual. Sou evangélico. Isso aconteceu no passado. Eu estava muito doido
da cabeça. Escolhia os meninos que eu achava mais bonitos. Tinham as pernas lisinhas.
O rosto e o corpo bonitos. Para convencê-los a me acompanhar, eu oferecia
dinheiro e eles aceitavam. Eram meninos de classe pobre. Algum tempo antes
disso, eu estava caminhando na Lapa, no centro do Rio, e encontrei um garoto
de uns 14 anos. Um travesti. Ele me chamou para ir a um hotel. No intervalo
de duas horas, eu transei muito com ele, dei beijo na boca e no final paguei
R$ 50. Nunca mais consegui encontrar esse menino. Isso me despertou ainda
mais o desejo por garotos novos. Como não achei outro como ele, acabei
obrigando alguns meninos a fazer o mesmo, só que à força. Eu sempre os levava
para um lugar deserto. O sadismo tinha subido à minha cabeça. Aí eu acabei
matando alguns deles. Uns 13. Eu não me recordo bem do rosto deles. O
primeiro garoto que peguei foi em Niterói. Só sei que o nome dele era
Anderson. Ofereci um dinheiro a ele. Disse que era para me ajudar a acender
umas velas para São Jorge. Levei-o para um lugar deserto. Chegando lá, fiz
sexo à força. Depois que eu gozei nele, o matei asfixiado e fui embora.
Asfixiei com a camisa dele. Voltei ao local onde tinha deixado o garoto mais
umas três vezes para saber se alguém já tinha descoberto alguma coisa.
Ninguém nunca desconfiou de nada. Teve um garoto em Itaboraí que me deu um
prazer sexual de fazer sadismo. No final cortei o pescoço dele com um facão.
Tirei a cabeça dele fora. Não sei por que fiz isso. Só passava pela minha
cabeça fazer sexo. Acho que eu matava porque estava endemoniado. Naquela
época eu frequentava terreiro de macumba. Eu sentei com uma entidade chamada
Rainha Maria Padilha das Sete Catacumbas do Cemitério e os espíritos falavam
para mim que gostavam de sangue de criança. Eu tirei sangue das crianças, mas
não foi para despacho, não. Eu me tornava amigo dos meninos. Pagava até
lanche para eles no McDonald's. Hoje eu estou arrependido mesmo. A juíza
disse que eu vou passar o resto da vida na cadeia. Eu estou pedindo a Deus
para iluminar o meu caminho. Um agente penitenciário que trabalhava no
manicômio falou que, caso eu consiga a minha liberdade, é melhor eu fazer uma
cirurgia plástica para que ninguém tente me matar. Eu quero viver na rua,
direito. Eu quero uma mulher para mim, para tirar essa doença da minha
cabeça. Não quero fazer mais sexo nem com homem nem com menino. Eu tomo
remédio para a cabeça. Se eu ganhasse minha liberdade, eu não ia frequentar
baile funk nem pagode.
Escrito por Comendador Eduardo de Oliveira às 07h37
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Lourenço
Martins - 'Não existe o prazer de matar'
LOURENÇO
MARTINS, 54 ANOS
Coronel
da PM, mata a serviço do Estado
Meu primeiro combate foi em 1974. Fui batizado numa troca
de tiros. Tinha 25 anos e apenas quatro meses de polícia. Eu estava sentado
próximo à janela e vi quando uns assaltantes executaram o guarda de um banco
que ficava vizinho ao Batalhão. Descemos e houve uma troca de tiros. Dois
bandidos morreram na hora, logo no primeiro confronto, quando ficamos cara a
cara com eles. O aspirante que estava ao meu lado caiu atingido por uma bala
na perna. Quando reagrupamos, partimos para cima deles e acabamos pegando
todos. Deu um branco na minha cabeça. Eu nunca esperei presenciar um quadro
daqueles. Quando tudo acabou me deu uma tremedeira. Parei para pensar que o
tiro que atingiu o meu colega poderia ter me acertado, eu poderia ter
morrido. Com o decorrer do tempo fui me acostumando com sangue, com as coisas
trágicas. A tremedeira passou. É a mesma coisa do médico. Quando ele entra
numa cirurgia, tem de ser frio. No dia-a-dia de um policial esse tipo de
coisa se repete. E não é só a minha vida que está em risco. Tem a vida de
outras pessoas. Em 1984, estava num cerco a uma favela. O Silvio Maldição (um
bandido da época) estava com uma 9 milímetros na mão, quando um policial
entrou no beco para rendê-lo. Eu, que estava numa laje logo acima, armado com
uma 12, vi quando o bandido levantou o cão da arma. Atirei nele antes. Atirei
para que um policial meu não morresse. Acertei a cabeça do bandido. Se
mirasse no corpo, ele ainda poderia reagir. Procuro não me lembrar quantas
pessoas já matei ou vi morrer. Eram pessoas que deveriam estar progredindo e
que acabaram escolhendo o lado ruim. Mas o fato de estar dentro deste
cotidiano da vida me fez ser uma pessoa muito fria na minha maneira de
trabalhar. O policial militar tem de estar sempre atento, percebendo o que se
passa nos 360 graus a sua volta. É policial 24 horas por dia. Há dois meses,
decidi liberar meu motorista e fui para casa sozinho. Percebi que estava
sendo seguido por três carros. Eram seis homens. Um dos carros me fechou e um
dos bandidos saiu com uma arma na mão. Atirei de dentro do carro, pelo vidro.
Ele caiu. Matei outros três e os outros dois fugiram. Ou eu os acertava ou
eles me acertavam. Nunca feri uma criança, nunca baleei pessoas que nada
tinham a ver com um crime. Para eu chegar a atirar em alguém é porque essa
pessoa está atirando em mim. Não existe o prazer de matar, e sim a
consciência do certo e do errado. Há muito tempo deixei a emoção de lado.
Vivo pela razão. Para viver melhor, eu choro muito, corro e pratico esporte.
É a minha forma de extravasar (nesse momento ele chora). É duro a gente
perder um companheiro que passa dez, 15 anos do seu lado. Eu vivo para a
polícia. Adoro o que faço. Para não machucar ninguém que amo, optei por nunca
casar. Também não tenho filhos. Não quero jamais colocar em risco alguém que
more comigo. Quem fez o juramento de defender com a vida a vida dos outros
fui eu.
Luiz Vieira - 'Me arrependo muito'
LUIZ
VIEIRA, 25 ANOS
Ex-traficante,
assassinou duas pessoas
Matei duas pessoas e me arrependo muito. Saí do Paraná com
4 anos e vim com a minha família para Sorocaba, no interior de São Paulo.
Abandonei a escola na 6ª série. Conheci um pessoal das quebradas e passei a
curtir baladas. Achei legal o ritmo e a filosofia de vida deles: ganhar
dinheiro fácil, ter poder. Quando percebi, estava envolvido no crime.
Comandava uma boca-de-fumo. Um dia estava comprando drogas de um cara para
revender. Tinha 17 anos. Na hora da transação, a polícia chegou. Alguém
entregou alguém. Eu consegui fugir. Ele fez um acerto e foi liberado. Como eu
tinha apresentado o cara, fiquei 'pedido' e tive de dar cabo dele. Caso
contrário, eu seria cobrado. Até hoje me lembro do rosto dele. Infelizmente,
o mundo do crime é assim. Ninguém pode pisar na bola. Quando a lei do
silêncio é quebrada, tem de haver punição. Passei oito meses na Febem. Saí da
cidade com a minha esposa porque queria mudar de vida. Um dia fui a uma casa
de prostitutas com um cara que conheci. Ele e outro sujeito queriam ficar com
a mesma mulher. Bêbados, eles se agrediram fisicamente. Uns 20 dias depois,
meu amigo disse que a gente precisava trocar uma idéia com o cara, senão ele
poderia matá-lo. Dentro do ônibus, ele me entregou um 38. Resisti, mas peguei
o revólver e coloquei na cintura. Chegamos ao sítio e a esposa da vítima nos
atendeu. A filhinha mais nova deles tinha 17 dias. Quando a gente estava
desistindo e já ia embora, ele vinha guiando um trator. Reconheceu o meu
parceiro e começou a disparar. Senti o primeiro impacto na perna. Naquela
hora, não pensei duas vezes. Atirei também. Ele morreu. Eu tinha levado um
segundo tiro no antebraço. O meu amigo fugiu. Andei uns 15 quilômetros a pé.
Quando cheguei à cidade mais próxima, estava começando a clarear. Encontrei
uma casinha humilde, onde me deram roupa limpa. Peguei uma carona num
caminhão de leite. Depois peguei um ônibus. Estava fraco porque tinha perdido
muito sangue. Então pedi um copo de pinga num bar. Aquilo tirou a minha dor,
como um remédio. Por causa do tiro, minha coxa tava grossa. A outra bala
entrou pelo antebraço, quebrou a omoplata e se alojou no meio das costas.
Estava com o lado direito praticamente inutilizado. Não aceitei ir para o
hospital porque teria de explicar a razão dos tiros. Tinha 18 anos, estava me
recuperando só com remédios caseiros: óleo de copaíba, pólvora e fogo. Um mês
depois do tiroteio fui pego. Três dos meus quatro filhos nasceram depois que
fui preso. Tentei o suicídio. Pensei em terminar o casamento porque não sei
quando vou embora. Estou infeliz, perdendo os melhores anos da minha vida. Só
percebi isso depois que caí no sistema penitenciário, quando já estava com o
corpo todo tatuado. Por causa desse maldito crime a minha vida virou um
inferno.
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Resumo: Karlão-Sam
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