GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL ABRE
MÃO DE R$ 1,57 BILHÃO EM TRIBUTOS
GDF deixará de receber o valor
bilionário em tributos na expectativa de que as renúncias dinamizem a economia
em tempos de crise
No caso do Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA), a renúncia prevista
para o ano que vem é de R$ 212,3 milhões
Apesar da falta de recursos em caixa para honrar os reajustes salariais
ou para fazer grandes obras de infraestrutura, o governo deixará de arrecadar
R$ 1,57 bilhão no ano que vem por causa de renúncias tributárias. São impostos
que o GDF não cobrará por impedimentos legais ou para beneficiar empresas e,
assim, dinamizar a economia em tempos de crise.
Mas a concessão dessas benesses a empresários, que pagam menos tributos
para supostamente aumentar a capacidade produtiva e gerar mais empregos, não é
monitorada permanentemente. Dessa forma, não há uma avaliação sistemática das
vantagens que essas renúncias fiscais trazem à sociedade.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018, enviada à Câmara Legislativa,
estima que, só de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços (ICMS), o governo abrirá mão de arrecadar R$ 1,16 bilhão. Esses
benefícios são referendados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz). O maior convênio de benefícios fiscais no Distrito Federal atualmente
é o que prevê remissões para a prestação de serviços de televisão por
assinatura, com renúncia estimada para 2018 em R$ 178,3 milhões.
Em seguida, aparece a redução do ICMS de querosene de avião, com
benefícios previstos de R$ 176,6 milhões no ano que vem. Em terceiro lugar,
estão as vantagens garantidas em lei que reduzem a base para o cálculo do
imposto na indústria de informática e automação. Nesse caso, o montante de
renúncia deve chegar a R$ 119,1 milhões em 2018.
Outros convênios de ICMS em vigor garantem benesses para produtos
agropecuários, máquinas, aparelhos, veículos, móveis e motores usados, remédios
destinados a órgãos públicos, combustível para empresas de transporte coletivo
urbano, prestação de serviços de acesso à internet, importação de equipamentos
médicos e realização de projetos culturais.
O secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal, Valdir
Oliveira, defende a concessão de benefícios às empresas. “Não concordo com a
tese de que benefícios fiscais atrapalham as finanças públicas, de jeito
nenhum. Se forem bem aplicados, sem passar dos limites e afastando a tese de
desvios de conduta, eles trazem inúmeros ganhos para a economia”, diz Valdir.
Ele defende um tripé para melhorar o desenvolvimento. “O Distrito Federal
precisa de crédito de fomento, de um programa para compras governamentais e de
benefícios em forma de estímulos, sejam econômicos ou fiscais. Com esse tripé,
certamente há um estímulo à economia”, afirma.
Valdir Oliveira argumenta ainda que é preciso estimular a renda e a
produção. “Temos que balancear em busca do equilíbrio. O direcionamento desses
programas precisa se dar em uma lógica favorável ao aumento de faturamento e de
geração de emprego. A empresa que fatura mais vai pagar mais impostos,
reforçando o caixa do governo”, justifica o secretário. “A elevação da carga
tributária reduz o faturamento das empresas”, pondera. Mas Valdir reconhece que
a concessão de benefícios “não pode passar do ponto”. “É preciso compreender
esse limite e trabalhar dentro dele”, argumenta.
Como o Correio mostrou na edição da última quarta-feira, a lei que
reduziu de 25% para 12% a alíquota de ICMS sobre o combustível para a aviação
civil, aprovada em 2013 pela Câmara Legislativa, provocou uma renúncia de
arrecadação que pode chegar a R$ 776 milhões até o próximo ano.
O objetivo era oferecer mais opções de voos diretos de Brasília e ainda
incrementar a arrecadação com o aumento do consumo de querosene. Dados da
Inframérica, concessionária que administra o Aeroporto Internacional de
Brasília, indicam, no entanto, que o número de pousos e decolagens no terminal
caiu desde 2012. Foram 188.528 naquele ano e 161.167 em 2016. Entre janeiro e
maio deste ano, 59,8 mil voos saíram ou chegaram em Brasília. No mesmo período
de 2016, foram 70,3 mil.
O secretário de Desenvolvimento Econômico diz que a situação econômica do
país deve ser considerada. “Os benefícios não podem ser analisados de forma
cartesiana. Talvez, em função da grave crise, sem eles, a situação estivesse
muito pior do que está. No caso do querosene da aviação, sem essa renúncia,
talvez o aeroporto tivesse fechado as portas”, opina Valdir Oliveira.
Critérios
O promotor de Defesa da Ordem Tributária do Ministério Público do DF
Rubin Lemos defende que, mesmo que haja convênio prevendo benefícios fiscais, é
preciso analisar as contas públicas. Para ele, o governo tem que intensificar o
controle e a fiscalização desses programas. “O DF tem duas leis que determinam
o acompanhamento sistemático desses benefícios. Sem isso, é o mesmo que dizer
que o Estado virou sócio dos empresários”, comenta.
Ele lembra que, para aprovar a concessão dessas benesses tributárias, é
necessário demonstrar se há receita suficiente para isso ou se será feita
compensação — que só pode ser implantada com aumento de tributos. “Em uma
situação de falta de recursos até para implantar infraestrutura básica no
Distrito Federal, é preciso ter um balanço constante do custo e do benefício
dessas renúncias”, finaliza o promotor.
O deputado distrital Wasny de Roure (PT) é autor de uma lei, em parceria
com o distrital Agaciel Maia (PR), que obriga o governo a elaborar estudos
econômicos para verificar se as metas e os objetivos das renúncias fiscais
foram alcançados, seus impactos efetivos e eventuais necessidades de alterações
para aperfeiçoamento. Ele reclama da falta de implementação dessas regras. “Eu
e Agaciel fizemos essa proposição por sugestão do Conselho Regional de
Economia, mas o governo vem procrastinando a aplicação. Não existe, hoje, um
acompanhamento dos retornos dos benefícios fiscais”, comenta Wasny. “Depois da
concessão, não há uma avaliação periódica”, critica o deputado.
Apesar da justificativa de que os benefícios contribuem para a geração de
empregos, por exemplo, o DF apresenta uma das maiores taxas de desemprego do
país. O índice chega a cerca de 20%. Em nota, a Secretaria de Fazenda explicou
que “o DF, bem como os estados, tem a competência para fixar, por meio de lei
estadual ou distrital, as alíquotas do ICMS nas vendas de quaisquer mercadorias
dentro do seu território sem a autorização do Confaz, desde que não sejam
inferiores a 12%”.
Carros novos
No caso do Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA), a renúncia prevista
para o ano que vem é de R$ 212,3 milhões. O Distrito Federal garante isenção do
imposto para carros novos, no ano da compra, para evitar que brasilienses
comprem veículos em outras regiões, como do Entorno. Só com esse abatimento, o
governo deixará de arrecadar R$ 97,4 milhões em 2018. O benefício também é
assegurado a carros com mais de 15 anos de uso, veículos da administração
pública, ou de portadores de necessidades especiais. Carros de pessoas
jurídicas destinados à locação e táxis também têm direito a abatimento de IPVA.
Já a renúncia de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um pouco
menor: a previsão é de R$ 62,2 milhões. Imóveis da Terracap e da Universidade
de Brasília (UnB), por exemplo, não pagam o imposto. Propriedades de
microempreendedores individuais e clubes sociais ou esportivos também têm
benefícios.
Memória
Motivo para ação de improbidade
A concessão de benefícios fiscais sem o cumprimento de requisitos legais
para compensar esses valores motivou a primeira ação de improbidade movida
contra Rodrigo Rollemberg. O MP ajuizou a ação contra o governador e outros
integrantes do primeiro escalão, por conta da aprovação de leis de renúncia
fiscal que não atenderam às previsões da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e
da Constituição Federal. Até o fim de 2015, o governo local aprovou a renúncia
de mais de R$ 480 milhões e, de acordo com o MP, não houve o cumprimento dos
requisitos legais para compensação desse valor aos cofres públicos. Os
distritais Agaciel Maia (PR) e Israel Batista (PV) são alvos da mesma ação.
Correio Braziliense.