Uma nação entre a guerra e a
loucura
Os delírios bélicos de Kim Jong-un,
líder da Coreia do Norte, e o estilo ameaçador de Donald Trump colocam a Ásia à
beira de um conflito, que seria devastador para a economia global e para
multinacionais como Samsung, LG, Honda, Toyota, entre outras. Entenda o que
está em jogo
Delírios bélicos: o líder
norte-coreano Kim Jong-Un deu uma demonstração de força militar durante as
comemorações do aniversário de Kim Il-Sung, o fundador do país, um dia depois
das ameaças americanas
O impaciente: diante de novos
testes nucleares da Coreia do Norte, Donald Trump diz que perdeu a paciência e
enviou o porta-aviões Carl Vinson (à esq.) à região para intimidar o país.
A sombra de uma nova guerra entre
as Coreias paira sobre a Ásia há mais de 60 anos. Nas duas últimas semanas, o
medo de um conflito aumentou. A atuação controversa de dois líderes, o
presidente americano Donald Trump e o líder supremo norte-coreano Kim Jong-un,
alimenta o receio de se chegar a um ponto sem volta. O auge das tensões se deu
no dia 9 de abril, quando o Pentágono, o comando militar dos Estados Unidos,
anunciou que o porta-aviões nuclear Carl Vinson estava navegando em direção à
Coreia do Norte – o que, posteriormente, não se confirmou.
Trump dizia ter perdido a paciência
diante de evidências de que Jong-un conduziria mais um teste com um míssil de
longo alcance, capaz de atingir a Costa Oeste do país. O teste, de fato,
aconteceu, mas o projétil explodiu logo após ser lançado. Ainda tentando
entender os motivos de um ataque americano à Síria, dias antes, o mundo se
perguntava: a Casa Branca teria coragem para, unilateralmente, investir
militarmente contra o obscuro regime de Pyongyang? A pergunta segue sem
resposta. Mas o fato é que há muito mais coisas em jogo nesse entrevero, que
extrapola o destino dos pouco mais de 25 milhões de habitantes da nação mais
fechada do planeta.
Se as tensões se traduzirem em um
confronto, as consequências para a economia seriam devastadoras e as perdas
humanas, incalculáveis. A imprevisibilidade de Trump e o obscurantismo de
Jong-un tornam a análise desse cenário uma tarefa hercúlea. Pouco se sabe sobre
as mazelas da sociedade norte-coreana, tampouco a respeito dos reais planos do
mandatário americano. Sabe-se, no entanto, que essa região desempenha um papel
primário no comércio global. “A Ásia é o centro do mundo”, afirma Oliver
Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas. “A
China é a maior parceira comercial de mais de 100 países, incluindo o Brasil.”
O PIB asiático ultrapassa os US$ 21
trilhões. Boa parte de tudo o que é produzido no mundo, de commodities a
eletrônicos, passa por ali. Movimentos em falso deixam diversos atores em
posição de alerta, como EUA, China, Coreia do Sul e Japão. Para Stuenkel, que
esteve na Coreia do Norte em 2013, o ponto nevrálgico dessa disputa é a
liderança político-econômica da região. A China, único país a manter relações
comerciais com Pyongyang, encara a divisão das Coreias como uma segurança para
seus planos de dominar a Ásia. “É muito claro que uma reunificação coreana
teria o mesmo desfecho da reunificação alemã, com o lado capitalista
prevalecendo”, diz o professor.
Unificada, a Coreia teria condições
de rivalizar economicamente com o Japão, enfraquecendo o poder chinês. Um
cenário como esse seria de interesse dos americanos, aliados de japoneses e
sul-coreanos. A questão é até que ponto a China está disposta a defender o
atual estado de forças, diante de um Kim Jong-un cada vez mais ousado em seus
delírios belicosos. Ao longo da semana, o governo de Pequim tentou aliviar as
tensões. “Se a guerra eclodir, múltiplas partes irão perder e ninguém irá
ganhar”, afirmou Wang Yi, ministro das Relações Exteriores chinês.
DIN1015-guerra3Segundo Salvatore
Babone, pesquisador da Universidade de Sydney, na Austrália, se a primeira
coisa que a China não quer é uma Coreia unificada, a segunda é uma nova guerra
entre os dois países. “O noroeste do país já está cheio de refugiados
norte-coreanos”, afirmou Babone, à rede de tevê Aljazeera. Dado o poderio
militar de Kim Jong-un (veja quadro ao lado), uma guerra seria extremamente
sangrenta, mesmo sem envolver armas nucleares. A parceria militar entre Pequim
e Pyongyang vem de séculos. A primeira vez que os chineses defenderam os
aliados foi em 1592, contra invasões japonesas.
Em 1950, durante a Guerra da
Coreia, foi a intervenção da China que empurrou as tropas do general americano
Douglas MacArthur para o Sul, determinando a fronteira atual. Seria natural,
portanto, a parceria se repetir. Mas, há sinais contraditórios. Em fevereiro,
os chineses deixaram de importar carvão da Coreia do Norte e, na semana
passada, suspenderam os voos entre Pequim e Pyongyang. Talvez a paciência tenha
acabado. Mesmo assim, é difícil imaginar um processo pacífico de reunificação.
“A Coreia do Norte é como uma seita”, diz Stuenkel. “Sua população está isolada
do mundo.”
Os laços entre sul e norte-coreanos
são cada vez mais raros. Enquanto isso, ao Sul, a vida segue normalmente.
Procuradas, diversas empresas coreanas e japonesas, como Samsung, LG, Hyundai,
Honda e Toyota, não informaram se estão colocando em prática planos de
contingência. Na terça-feira 18, foi informado que a frota americana, na
verdade, acabou se dirigindo ao Oceano Índico, onde participou de exercícios
com a marinha australiana. É provável que Trump tenha usado o episódio para ter
alguma vantagem em negociações com a China. Para o bem da humanidade, é muito
importante que as decisões precipitadas sejam evitadas a todo custo.
ISTO É.