Elefante branco: parado, novo Centro Administrativo já custou R$ 1 bilhão
Ao custo de
R$ 1 bilhão de reais e com boa parte da estrutura finalizada ainda em 2014,
quando Agnelo Queiroz (PT) era o governador do DF, o CADF (Centro
Administrativo do Distrito Federal), em Taguatinga (cidade-satélite de
Brasília), também apelilado de "Buritinga" (numa alusão ao atual
Palácio do Buriti) continua sem data para funcionar.
Antes mesmo
de assumir o mandato, Rollemberg criticou a forma como o Habite-se da obra foi
conseguido. Segundo ele, várias pessoas foram demitidas ou precisaram se
demitir por conta da pressão para que o documento fosse liberado a tempo de ser
inaugurado ainda em 2014.
— Há uma
recomendação explicita do Ministério Público do DF para que o governo não desse
o habite-se, porque tem uma série de exigências que não foram cumpridas.
Depois de
tentar rescindir o contrato firmado com o governo e de recorrer à Justiça para
pedir um novo habite-se para o empreendimento, o consórcio responsável pelo
novo Centro Administrativo do Distrito Federal, em Taguatinga, resolveu apelar
para uma câmara de arbitragem. As empresas Via Engenharia e Odebrecht,
executoras da construção, buscarão os serviços de uma mediação externa como
última alternativa para solucionar o problema, que se arrasta há quase dois
anos e meio. Enquanto isso, o maior elefante branco do Distrito Federal
continua fechado às margens da Avenida Elmo Serejo, sem perspectiva de
ocupação. O Executivo analisa a proposta de rescisão amigável há seis meses,
mas ainda não chegou a um veredito.
Definir o
futuro do Centrad, como é mais conhecido o empreendimento, é um dos principais
desafios do governo. O consórcio alega ter investido mais de R$ 1 bilhão e
garante ter cumprido todas as exigências legais para a liberação do habite-se —
última pendência antes do início dos repasses previstos em contrato. Se o
Centro Administrativo entrar em funcionamento, o governo terá de começar a
pagar cerca de R$ 22 milhões por mês às empresas, o que representa um gasto
anual de R$ 264 milhões. Esse valor inclui o ressarcimento às construtoras pela
obra e a manutenção do espaço, com serviços como vigilância e contas de água e
luz.
Se a
parceria público-privada for mantida, ao fim dos 22 anos de contrato, o governo
gastará R$ 6 bilhões com o Centro Administrativo do DF. Diante da dimensão da
cifra, a rescisão do acordo é uma possibilidade considerada pelos técnicos do
Executivo. A proposta dos empresários prevê o ressarcimento dos investimentos
feitos pelo consórcio, que aceita abrir mão de multas e lucros cessantes. Mas o
GDF discorda dos valores apresentados pelos responsáveis pela PPP. Para o
Palácio do Buriti, caso haja um acordo sobre o cancelamento, deve ser seguido o
valor estabelecido na licitação de 2008, quando foi firmado o contrato, no
total de R$ 439 milhões.
A
secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão do Distrito Federal, Leany
Lemos, reconhece que a possibilidade está em debate. “Estamos analisando os
cenários em relação ao contrato e um deles é o de rescisão, tendo em vista que
as tratativas foram feitas em outro contexto político e econômico. Estamos
fazendo essa avaliação”, explicou Leany.
O GDF alega
que, ao assumir o Palácio do Buriti, recebeu o imbróglio do contrato do Centrad
com inúmeras pendências administrativas e questionamentos judiciais (veja
quadro). O receio do alto escalão do Executivo levou à contratação do Unops,
escritório de projetos especiais das Nações Unidas, para uma avaliação do
contrato. A consultoria custou US$ 697 mil (cerca de R$ 2,2 milhões, em valores
atuais) e segue em andamento.
Da
infraestrutura prevista no acerto, 97% foram entregues. Os 3% pendentes têm
relação com detalhes como a finalização do piso e a definição do leiaute, que
dependem apenas de definições do governo. Mas o andamento do processo foi
contaminado pelo clima político desfavorável, pois a Odebrecht aparecia citada
no escândalo da Lava-Jato e integrantes do GDF tinham receio de autorizar o
início dos repasses de recursos à empresa. Além disso, o Centrad foi inaugurado
em 31 de dezembro de 2014, último dia da gestão de Agnelo Queiroz (PT), mas, em
fevereiro de 2015, a Justiça cassou o habite-se concedido pela Administração
Regional de Taguatinga no governo anterior. A alegação do Ministério Público do
DF e Territórios (MPDFT), acatada pela Vara de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Urbano, foi a de que não houve o cumprimento de todos os pré-requisitos legais.
Integrantes
do governo alegam que a empresa não atendeu todas as exigências e que falta
implementar medidas mitigadoras de trânsito, como a construção de acesso viário
e viadutos, além de obras para otimizar o fornecimento de energia. Na gestão
passada, os empresários ouviram do GDF a promessa de que a administração
pública ficaria responsável por todas essas intervenções. Mas, em janeiro do
ano passado, um parecer da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF)
definiu que cabe ao empreendedor, portanto, ao consórcio, fazer essas obras de
trânsito e de energia. A firma questiona a atribuição, mas, ainda assim,
realizou as intervenções no trânsito exigidas pelo Detran para o início do
funcionamento da primeira etapa da obra.
Com base
nesse entendimento, a Via Engenharia e a Odebrecht apresentaram, em julho de
2016, um novo pedido de habite-se à Administração Regional de Taguatinga. O
Código de Obras prevê a liberação do documento ou a apresentação das exigências
em um prazo de 48 horas, o que não ocorreu. O consórcio recorreu, então, à
Justiça, pedindo que a administração entregasse o habite-se no tempo legal e
com a alegação de que todas as exigências haviam sido atendidas. A PGDF se
manifestou pela rejeição do novo habite-se com o argumento de que só um terço
das medidas mitigadoras teriam sido devidamente executadas. A Vara do Meio
Ambiente rejeitou a liminar por entender que, como o tema requer apurada
análise técnica, é preciso que o consórcio aguarde uma definição sobre o mérito
do tema. Para isso, será feita uma perícia judicial.
Mobiliário
Há muitas
divergências acerca do contrato para a ocupação do Centro Administrativo, mas
elas não são as únicas pendências para a transferência definitiva de cerca de
13 mil servidores públicos para o local. O governo ainda não decidiu detalhes
como mobiliário, sistemas de informática e computadores. Não há definições
sobre o reaproveitamento do material disponível ou a realização de outras
licitações para esses serviços. Sem resolver esses impasses, a mudança para o
Centrad torna-se inviável.
O
empreendimento gigantesco, que conta com 3 mil vagas de estacionamento, está
pronto, com câmeras instaladas e em funcionamento. Os 49 elevadores têm de
subir e descer vazios pelo menos uma vez por semana para evitar que se
estraguem. A garantia dos elevadores venceu, sem que eles tenham transportado
um único servidor público nesse período. Mesmo com a estrutura monumental, não
há nenhuma garantia de que ela será ocupada algum dia pelo funcionalismo
distrital.
O governo
faz contas para analisar a viabilidade econômica do empreendimento. Há estudos
técnicos que estimam o gasto anual do GDF com aluguel em R$ 57 milhões, valor
quase cinco vezes inferior ao montante previso no contrato com o consórcio. As
maiores despesas são de serviços que não poderão ser transferidos para o Centro
Administrativo, como administrações regionais, creches, conselhos tutelares,
postos do Detran e pontos de atendimento do Na Hora, por exemplo. A expectativa
é de que somente órgãos centrais se mudariam para o complexo.
Em nota, a
concessionária do Centrad garantiu que “vem atendendo a todas as exigências
legais impostas no escopo da PPP”. Segundo o consórcio, a primeira etapa,
equivalente a 31% das obras, foi entregue em junho de 2014. “Diante da demora
do governo em solucionar questões sob sua responsabilidade e da inadimplência
com a concessionária, a Centrad informou ao GDF a sua intenção em discutir uma solução
para o contrato. A concessionária apresentou, então, a proposta de rescisão
amigável do contrato de concessão.
Em novembro
de 2016, a Centrad encaminhou vasta documentação ao GDF, mas, até o momento,
não houve resposta do governo”, alegam as empresas. “A concessionária também
notificou o governo a respeito da possibilidade da instalação de um
procedimento de arbitragem para resolução de pontos controversos no contrato. A
arbitragem é um meio alternativo ao processo judiciário para a resolução de conflitos.
Trata-se de uma ferramenta contratual legítima e prevista no contrato da PPP”,
finaliza a nota.
Solução de
conflitos
A entidade
que deve ficar responsável pela mediação dos conflitos entre o GDF e o
consórcio responsável pelo Centro Administrativo é a Centro de Arbitragem e
Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, que tem quase 40 anos de atuação.
O serviço de arbitragem é como uma Justiça privada, que soluciona conflitos
entre as partes. Os serviços foram regulamentados em 1996 por meio de uma lei
federal.
Na Justiça
O MPDFT
ajuizou quatro ações relacionadas a problemas no Centro Administrativo. Confira
o andamento dos processos:
» Ação de
improbidade administrativa contra o ex-governador Agnelo Queiroz e o
ex-administrador regional de Taguatinga Anaximenes Vale dos Santos pela
inauguração irregular do Centrad. A ação foi ajuizada em 14 de janeiro de 2015.
O juiz determinou a realização das últimas diligências antes de proferir a
sentença.
» Agravo de
instrumento em segunda instância, interposto pelo MPDFT, resultou no bloqueio
de bens de Agnelo e Anaximenes. A decisão foi proferida em 26 de fevereiro de
2015 e determinou a indisponibilidade de bens
do
ex-governador e
do
ex-administrador de Taguatinga, no valor
de R$ 28
milhões.
» Ação
civil pública ajuizada pelo MPDFT, pedindo liminar para impedir repasses
financeiros às empresas Odebrecht e Via Engenharia, responsáveis pela construção
do Centrad. Em primeira instância, houve concessão de liminar e proibição de
qualquer pagamento ao consórcio. Em segunda instância, a 5ª Turma Cível cassou
a liminar e negou a suspensão dos repasses.
» Ação
civil pública movida pelo MPDFT para anular o habite-se do Centrad. A
Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb) conseguiu a
anulação do habite-se que permitia o funcionamento do local em fevereiro de
2015. A ação tramita na Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário
do Distrito Federal.
Correio Braziliense