REFORMA NO ENSINO MÉDIO ESTARÁ EM IMPLEMENTADA EM 2019, DIZ GOVERNO
Especialistas alertam que estados e
municípios terão papel fundamental nesse período de transição
A implementação depende da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece os conteúdos gerais que serão
aplicados nos três anos de ensino.
A reforma nacional do ensino médio,
sancionada pelo presidente Michel Temer na manhã de ontem, tem deixado alunos,
professores e estudiosos apreensivos, sem saber como e quando ela começa a
funcionar e os efeitos que terá na educação. Para o presidente, a Medida
Provisória nº 746, de alteração da etapa escolar, foi uma “ousadia
responsável”. Para especialistas, as mudanças, na prática, dependem de muitas
variáveis e só ocorrerão a médio e longo prazo, apesar de o governo apostar em
uma implementação plena a partir de 2019.
Números e condição que envergonham o Brasil
O novo modelo prevê um aumento da
carga horária de 800 para mil horas anuais. Ou seja, as 2,4 mil horas atuais —
divididas entre os três anos — passarão para 3 mil horas. Já as escolas que
optarem pelo ensino em tempo integral terão carga horária anual de 1,4 mil
horas. Há mudanças também na grade curricular. O reformulado padrão de ensino
contemplará a mesma quantidade de disciplinas (13), mas com flexibilidade e a
inclusão da formação técnica. A proposta causou polêmicas e motivou a invasão
de escolas por estudantes no fim do ano passado.
Especialista em políticas
educacionais e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), Célio da
Cunha comenta que a reforma não ocorrerá da noite para o dia e será necessário
muita vontade política, um planejamento rigoroso e apoio financeiro continuado.
“Muitas das críticas que vinham sendo feitas foram corrigidas no produto final,
mas ele ainda suscita dúvidas e polêmicas. No papel, é uma mudança que dá
aberturas, mas vai depender de reformas constantes, de gestores estaduais e da
capacidade do governo em acompanhar, monitorar e avaliar”, afirma. “Como diria
Barão de Itararé, ‘tudo seria mais fácil se não fossem as dificuldades’”,
ironiza.
Embora o conceito esteja concluído
e já seja lei, ele não será aplicado imediatamente. A implementação depende da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece os conteúdos gerais que
serão aplicados nos três anos de ensino. A BNCC está em discussão e deve ser
homologada no fim de 2017. A preocupação é não acelerar as discussões em torno
da base nacional, justifica o ministro da Educação, Mendonça Filho. “Não
podemos atropelar os passos dados a partir de etapas muito bem definidas e
casadas com o planejamento do ministério e os estados, mas a nossa luta é para
que comecemos a mudar o ensino a partir de agora”, comentou.
Apesar de a homologação do BNCC
ainda estar começando, o esboço já existe. A secretária-executiva do MEC, Maria
Helena Castro, defende que o primeiro ano seja concentrado na base. E, a partir
do segundo, as escolas comecem a flexibilizar e diversificar o currículo com os
itinerários formativos. “O Brasil é o único país que mantém o ensino médio
único e inflexível para todos até o fim dos três anos. É impossível o mundo
inteiro estar errado e só nós estarmos certos. Se não, não teríamos índices tão
tristes e ruins”, avalia.
O diretor institucional do Conselho
Nacional de Secretários de Educação (Consed), Antonio Neto, diz que a mudança
dependerá de uma mobilização muito grande de estados e municípios. Neto explica
que será preciso um replanejamento das redes estaduais de educação. “As escolas
funcionam em rede. Há um grande número de variáveis, como espaço físico,
quantidade de professores, merenda. Uma escola sozinha não consegue reorganizar
isso. Cada secretaria precisa começar a desenhar o modelo, considerando as
diversidades de cada região e as carências”, orienta.
Aporte
Para assegurar a implementação, os
estados terão suporte técnico e financeiro do governo federal. Mendonça afirmou
que R$ 1,5 bilhão já foi disponibilizado para ampliar a oferta de matrículas no
ensino integral em 2017 e 2018, que é outra meta. “Hoje, 6% das matrículas do
ensino médio são para o ensino integral. A nossa meta é dobrar em dois ou três
anos colocar esse número em 25% até 2024”, disse.
Apesar dos esforços, o presidente
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo,
acredita que a lei é inviável por não trazer condições para aplicação nas
escolas do país. “É uma medida que não bate com a realidade brasileira, vai ser
aplicada para poucos. Não resolve o problema da evasão, vai afastar os alunos e
dificultar ainda mais o acesso”, avalia. Araújo ressalta ainda o elevado custo
para que a lei saia do papel. “Os estados não têm estrutura e a ajuda financeira
passa pelo orçamento e a vontade do ministro. O investimento anunciado de R$
1,5 bilhão se dilui em vários anos.”
Professores do ensino médio,
especialmente aqueles que ministram disciplinas que passarão a ser optativas,
demonstram preocupação também com o mercado de trabalho. O diretor de
organização do Sindicato dos Professores do Distrito Federal, Julio Barros,
afirma que a categoria está muito apreensiva. “O maior medo é da evasão escolar
e, obviamente, disciplinas que serão colocadas como optativas, terão menos
demanda o que, consequentemente, levará a uma redução de vagas e menos
concursos públicos”, acredita.