SOBRE A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE.

SOBRE A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE;


Não é de todo perversa como se noticia.
A Lei do Abuso de Autoridade proposta pelo Senador e presidente do Senado Renan Calheiros não é ao todo, tão perversa como se noticia.

Ao ler o texto do projeto de Lei do Senado, PLS 280/16, percebi que a lei não é de todo tão perversa como se noticia. Principalmente para quem trabalha junto a órgãos públicos, como eu, que convive a todo instante com essas situações em que o Agente se posta frente ao administrado como se tudo ali fosse de sua propriedade e tivesse que defendê-la a qualquer custo.

Toda moeda tem dois lados, e apesar de ter muitas condutas das quais eu não concorde, vou aqui expor o lado bom dela, pelo menos no meu ponto de vista.

Um empreendedor que necessita de uma licença ambiental, por exemplo, para abrir uma pequena indústria de baixo impacto deve se sujeitar ao procedimento de licenciamento, onde sem a licença, não consegue dar prosseguimento às outras etapas de implantação e regularização frente a outros órgãos da administração. Aqui em SP, por exemplo, o artigo 6º da Lei Estadual 997, de 31 de maio de 1976, diz que os órgãos da administração não podem prosseguir em seus trabalhos antes que o interessado apresente as licenças ambientais de que se trata a lei:

Lei Estadual 997/76 Art. 6º - Os órgãos da Administração Direta ou Indireta, do Estado e dos Municípios, deverão exigir a apresentação das licenças de que trata o artigo anterior, antes de aprovarem projetos de ampliação, instalação ou construção das fontes de poluição que forem enumeradas no Regulamento desta Lei, ou de autorizarem a operação ou o funcionamento dessas fontes, sob pena de nulidade de seus atos.

E nesses casos, o empreendedor fica refém do órgão ambiental, por não cumprirem os prazos estabelecidos para a conclusão da análise do pedido ou mesmo criam situações em que solicitam informações sem qualquer fundamento legal ou técnico para induzir o interessado a desistir do seu processo de licenciamento, caso tipificado no artigo 33 do PLS 280.

Os prazos para análise e conclusão da análise na maioria dos casos não são cumpridos, colocando o empreendedor em uma situação em que não pode ver seu empreendimento regularizado para que possa, então, produzir, gerar empregos, riqueza e distribuí-la de forma honesta.

Nesse ponto, essa lei, se aprovada, vem melhorar nesse sentido, criminalizando a conduta do agente de forma específica, onde se pode afastar a prevaricação prevista no Código Penal.

Quem já não esteve em algum órgão público e não foi ofendido pelo agente, ou quem já não sofreu algum ato fiscalizatório e não foi ameaçado pelo Agente Fiscalizador? Nesse sentido, desde que comprovada a violência moral, teremos uma punição específica ao agente que a comete, conforme se depara no artigo 23 do PLS 280. Desde que o ofendido represente, no prazo legal estabelecido, teremos essa conduta também reprimida.

A conduta tipificada no artigo 24 também é muito comum entre os agentes dos órgãos públicos, que, muitas vezes, modificam cenários e situações para auferir vantagens indevidas. É certo que o Código Penal coíbe tais condutas, mas com pouca eficácia. No artigo, ainda, estão tipificadas outras condutas, tais como as de se eximir na responsabilidade civil ou administrativa pelos excessos cometidos ou abusos de poder. Isso eu tenho acompanhado e visto muito nos órgãos públicos. Ninguém assume qualquer responsabilidade sobre condutas lesivas ao cidadão e se instaura o jogo de empurra-empurra, sem solução para os problemas do administrado.

Pelo que estou abordando neste, no meu dia a dia, a conduta tipificada no artigo 31 é a mais comum, onde num processo de licenciamento ou autorização, se excede em prazos para a sua conclusão, sem que isto enseje em alguma punição ao agente. Entendo que, mesmo não sendo mencionado processos de outorga no tipo legal, esse se enquadra no de fiscalização, já que é o exercício do poder de polícia pela administração.

Muitas vezes esta situação pode causar prejuízos enormes ao cidadão que depende de um documento expedido pelo órgão público para poder trabalhar e produzir e é dificultoso por conta do não cumprimento de prazos pela administração. Apesar de já termos instrumentos previstos no Código Penal para punir tais condutas, o PLS 280 estabelece uma facilidade, em que o ofendido pode peticionar diretamente ao Juiz competente para conhecer e julgar a causa, e este pode, então, ordenar providências. No procedimento atual previsto no Código Penal e no Código de Processo Penal, todo esse trabalho é realizado pelo Ministério Público, cujo procedimento é moroso e temos que ter um resultado eficaz para atender aos anseios do cidadão.

Uma coisa que me faz crer esta lei não terá a eficácia desejada é que não foi criado um procedimento especial para processamento e julgamento das ações, ficando as mesmas sujeitas às regras previstas no Código de Processo Penal. Acredito que, com um procedimento especial, os resultados poderiam ser outros.

Outra coisa que ficou faltando é que se possa promover a competente Ação Civil por reparação de danos ex officio, contra agente que notadamente causa prejuízos ao administrado, em função de querer obter vantagens ilícitas. Muitos dos meus clientes perguntam se isso não é possível, mas o artigo 37 da CF, em especial o parágrafo 6º o proíbem. É uma espécie de blindagem ao agente público.

Vejo também que é uma situação em que dá segurança ao agente, para que ele trabalhe com liberdade de expressão e opinião, mas muitos se aproveitam dessa situação para cometer abusos. E a indenização por tais abusos deve ser cobrada do órgão em que ele presta seus serviços, e, posteriormente, o órgão exercer seu direito de regresso contra ele. Como sempre, é a sociedade quem paga. Acredito que uma modificação nesse sentido, onde o agente deva responder por seus atos, quando comprovadamente comete excessos, fará com que se cumpra com o que está estabelecido caput do artigo 37 da Constituição Federal, moralizando a Administração Pública como um todo.

Jusbrasil.com

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