Herdeira do Banco Itaú, Neca Setúbal é braço-direito da
candidata à Presidência pelo PSB e diz que ‘jogo sujo’ só começou e ‘deve
piorar’ ao longo da campanha.
Rio - Poderia ser diferente, mas a vida está corrida
para Maria Alice Setúbal, coordenadora-geral da campanha de Marina Silva para a
Presidência da República. Com seus 63 anos, Neca, como é conhecida, é herdeira
do maior banco privado da América Latina, o Itaú. Sua família, segundo a
revista ‘Forbes’, tem patrimônio estimado em 3,3 bilhões de dólares, algo em
torno de R$ 7,5 bilhões.
Viaja muito, mas não para torrar dinheiro. É para acompanhar
sua candidata país afora. Gasta muito, também. Mas não é com o que acredita ser
futilidade. Gasta com Marina Silva. Só até 21 de julho, com poucos dias de
campanha e ainda com Eduardo Campos vivo, doou R$ 200 mil. Novas doações
ocorreram, mas o valor só será divulgado quando prestarem contas, daqui uns
dias.
Neca, coordenadora do programa de governo de Marina, garante
que os compromissos firmados por Eduardo Campos serão honrados
Fotos: Sérgio Lima / Folhapress
Em 2010, quando sua amiga também concorreu e com menos
chances de passar para o segundo turno como agora, desembolsou R$ 515 mil.
Seu
banco, o Itaú, doou muito mais: R$ 1 milhão. “Nada muito significante”, disse
ela, considerando o quanto se gasta nas campanhas no Brasil.
Em 2010, para
arrecadar dinheiro, ela articulou encontros da candidata com artistas e a alta
sociedade paulistana, além de ajudar no programa de governo.
Neste ano, a partir de agora, com Marina assumindo a cabeça
de chapa, tem papel-chave na coordenação-geral da campanha. Como comparação,
mesma função exerceu Antônio Palocci, naquele ano, durante campanha da
presidenta Dilma Rousseff.
Depois de Dilma eleita, Palocci virou
ministro. O DIA contou com “a sorte de encontrar um tempinho”
para falar com a mulher responsável, hoje, pelos rumos da campanha. Ela
aproveitou o tempo, entre uma reunião e outra, para atender à reportagem.
Isso porque, segundo pessoas próximas, “está uma loucura,
pois a nova candidata assumiu a campanha já com tudo em andamento”. Maria Alice
Setúbal, porém, garante que “os compromissos programáticos” permanecem os
mesmos assumidos por Eduardo Campos.
Com fala pausada, transmitindo calma em meio ao corre-corre,
não se altera nem para responder a críticas as quais considera injustas e fruto
de preconceito, sobre suas declarações à ‘Folha de S.Paulo’, na sexta-feira.
Ao
jornal, disse que num possível governo de Marina será encaminhado ao Congresso
lei que dará autonomia ao Banco Central.
Seus adversários e analistas acusaram-na de estar a serviço
dos interesses dos bancos, dentre os quais, o seu.
Para ela, “o jogo sujo”,
para atingir sua amiga, só começou. “E deve piorar, se Marina se consolidar
mesmo”, previu. A palavra “mesmo” é porque sua “prudência”, como diz, a
faz lembrar de que “pesquisa é retrato de momento”.
E que, portanto, “tem de se
ter cuidado”. “Não pode deixar-se levar por euforia. Não é possível ver ainda
se esta onda terá sustentação”, pondera.
Uma herdeira com currículo extenso
Para Neca Setúbal, relacioná-la sempre que citada pela
imprensa quando trata de política à herança de Olavo Setúbal, seu pai, fundador
do Banco Itaú, é preconceito. “Tenho mestrado, doutorado, sou fundadora do
Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária),
ONG que é referência em todo no Brasil em educação, tenho passagens pela
Unicef, sou pesquisadora, tenho livros publicados.
Entretanto, quando parte da
imprensa divulgou, por exemplo, a notícia de que Marina escolhera seus
coordenadores de campanha, resumiram meu currículo à ‘herdeira do Itaú’”,
reclamou.
Segundo ela, ao se referirem ao seus colegas, os jornais
escreveram por onde eles passaram ou o que fizeram.
“Faço parte da família
Setúbal, assumo isso com tranquilidade, mas nunca trabalhei no banco, sempre
fiz outras coisas na vida e, portanto, não faz muito sentido apenas me
relacionar ao Itaú.” Neca acredita ainda que seu sobrenome começou a ser
usado para atingir Marina Silva, numa tentativa de alimentar um preconceito
social ao contrário. “Isso já começou.”
Patrimônio de bilhões
O banco do qual Maria Alice Setúbal é uma das herdeiras tem
patrimônio de 468 bilhões de dólares em ativos — dados de 2013 — e seu
rendimento, segundo a Econométrica, chega a 16,7%, dando retorno próximo aos 70
bilhões de dólares por ano. Isto faz dele um dos mais lucrativos, superando o
retorno dos bancos americanos, por exemplo. No US Bancorp, que teve maior
rentabilidade em 2013, a taxa não superou os 15,48%.
Ela também é sócia do marido, Almeida Prado, em um hotel na
Fazenda Capoava, a poucos quilômetros de Itu, no interior de São Paulo.
Somados, seus patrimônios a credenciam a pertencer ao seleto grupo do 1% mais
rico do país. Ainda assim, é considerada uma pessoa “modesta” e de “costume
comum”, como definiu o deputado Miro Teixeira (Pros), com quem tentou criar a
Rede Sustentabilidade em 2010.
O motivo, de acordo com a própria Neca, está em ser hoje a
junção das personalidades da mãe, Tide, a quem define como humanista, e do pai,
Olavo, um empreendedor, “no sentido de empreender bem o que se propõe a fazer”,
explica ela.
“A figura do meu pai foi muito importante na minha formação,
no meu jeito de ser”, afirma, lembrando que ele, um liberal, “afinal,
banqueiro”, nunca a desrespeitou por suas decisões políticas. “Era capaz de ler
meus livros do curso de Ciências Sociais, na USP, para ter o que debater
comigo”, revela.
Filhas de mundos distintos, mas unidas pela educação
Dois mundos distintos. Uma nasceu no Acre, pobre, trabalhou
no seringal, não lia nem escrevia até os 16 anos. À outra, bilionária, nunca
faltou nada. Estudou nos melhores colégios de São Paulo e na Suíça. Ambas, nas
suas próprias palavras, ‘salvas’ pela educação.
“Um dia a Marina (Silva) me falou algo que me emocionou.
Disse que nos tornamos amigas porque fomos contra nossos destinos. Ela, moça
pobre do seringal no Acre, teria outros rumos; e eu, moça rica da alta
sociedade paulistana, idem. O que nos salvou foi a educação. A dela, deu-lhe
outra possibilidade. A minha, permitiu-me ver a vida para além do meu mundo”,
disse, emocionando-se.
Marina e Neca se conheceram em 2009 pelas mãos de Guilherme
Leal, então candidato a vice da ex-senadora. Desde então, tornaram-se amigas
Foto: Divulgação
A amizade entre as duas teve início em 2009, pelas mãos de
Guilherme Leal, um dos donos da Natura, de quem Neca é amiga desde a
adolescência. Ele pediu que contribuísse, à época, com o programa de governo da
candidata, que concorria à Presidência da República pelo PV.
“Sua profundidade, carisma e força me foram tão impactantes”, lembra. Desde então, não se separam.
“Sua profundidade, carisma e força me foram tão impactantes”, lembra. Desde então, não se separam.