Estado criou Patrulha da Lei Maria da Penha, Observatório de
dados, ampliou número de delegacias especializadas.
Com iniciativas como a Patrulha Maria da Penha, o
Observatório de dados e a ampliação da quantidade de delegacias especializadas,
o Estado do Rio Grande do Sul tem se tornado exemplo quando o assunto é
política de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher, segundo
Aparecida Gonçalves, secretária responsável por esse setor da Secretaria de
Políticas para Mulheres, do governo federal.
"Cada Estado tem uma realidade, tem Estado que a
delegacia fecha às 13h. Falta uma cultura, falta mudança de comportamento e
cultura do Estado e das pessoas. Falta maior investimento em segurança pública,
faltam serviços especializados, juizados, delegacias [da mulher]. Não chegamos
a ter isso nem em 8% dos municípios. Falta mudar comportamento e cultura, falta
a Lei Maria da Penha funcionar no País inteiro", afirma.
De acordo com ela, essa mudança de comportamento está vindo do
sul. As ações que vêm sendo desenvolvidas no Estado desde 2011 foram elogiadas
por ela, em entrevista ao iG.
Segundo a chefe de gabinete da Secretaria de Segurança
Pública (SSP) do Rio Grande do Sul, Raquel Arruda Gomes, o Estado diminuiu os
índices de violência contra as mulheres após 2011, quando a SSP passou a fazer
o levantamento dos números da violência.
"Não tinha esse tipo de dados. Após um pedido da
assembleia legislativa percebemos que teríamos que dar uma resposta para a
sociedade. Pegamos as ocorrências policiais uma a uma e criamos o observatório.
Em 2011, eram aproximadamente 40 mil ameaças, 27 mil lesões corporais, 1.300
estupros e 100 femicídios, que são mortes anunciadas. O marido ameaça, insulta,
bate e só depois mata. Um trabalho que se pode fazer a prevenção", disse.
De acordo com um levantamento do governo gaúcho que analisou
os assassinatos de mulheres em função do gênero, os femicídios, cometidos entre
2006 e 2011, a metade (50,4%) dos casos tem como autor o atual marido ou
companheiro; 25,5% são cometidos por ex-companheiros ou ex-maridos; e em 83,48%
dos casos, o assassinato ocorre na residência da própria vítima. O estudo
apontou ainda que em 41,7% desses casos já havia registros de outros delitos
que antecederam o homicídio.
Segundo Raquel, isso acontece porque as delegacias
especializadas no atendimento à mulher trabalhavam isoladas do Judiciário e não
tinham apoio de outras esferas do próprio governo. "Após a delegada pedir
a autorização da medida protetiva [que impede que o agressor se aproxime da
vítima], não sabíamos se ela tinha sido autorizada. Não tínhamos acesso aos
dados da Justiça. Além disso, não tinhamos garantias de proteção e não havia
rede que pudesse complementar ao serviço da delegacia e monitorar o cumprimento
das medidas protetivas. Por isso, entramos em contrato com o judiciário e
conseguimos acesso aos dados", explicou.
Esse, segundo ela, foi o primeiro passo para fazer o
diagnóstico dos números da violência no Estado e criar uma forma de proteger a
mulher que já procurou uma delegacia especializada, já denunciou o agressor e
mesmo assim, é agredida novamente ou até mesmo assassinada.
Assim foi criada a Patrulha Maria da Penha, com equipes da
Brigada Militar destacadas para visitar periodicamente vítimas de agressão e
garantir que as medidas protetivas sejam cumpridas. A princípio foram criadas
quatro equipes apenas na capital, Porto Alegre. Hoje são 13 (também em outras
cidades) e a expectativa é que sejam criadas mais 20 equipes até o fim do ano.
Outra frente importante, segundo Raquel, foi a criação das
salas Lilás, em 13 Institutos Médicos Legais (IML) do Estado, voltadas
exclusivamente para mulheres.
"As mulheres são mais de 70% dos atendimentos dos postos
médicos legais, mas não tinham um olhar para ela. Quando elas tinham que
procurar o serviço, ficavam até na mesma sala do agressor. Havia também
problema na coleta de material, no caso do estupro, e não havia padronização no
procedimento, o que trazia prejuízo para identificar a autoria", diz.
Mas o trabalho não pode ser voltado apenas para mulher, tem
que envolver a sociedade e o agressor, diz ela. Por isso, o Estado, por meio da
Coordenadoria Penitenciária da mulher, também oferece um trabalho de combate a
reincidência, com conscientização no presídio e monitoramento após do agressor
ser solto.
As iniciativas foram reconhecidos pelo Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) neste ano, que premiou o Estado na categoria
'Governante: A Arte do Bom Governo'.
Além do prêmio, o Estado vem vendo os números da violência
contra a mulher caindo. Segundo dados do governo, o número de femícidios, caiu
de 102, em 2012, para 92 no ano passado, os estupros caíram de 1.331 para
1.162, lesão corporal tiveram queda de 27.145 para 25.964 no ano passado.
Outros Estados
Apesar das quedas no número de violência no Rio Grande do
Sul, Aparecida Gonçalves, do governo, diz que, no geral, o Brasil ainda está
muito atrasado em relação ao tema. Estados, como Alagoas, que ela definiu como
"complicado", por ter uma rede de atendimento à mulher vítima de
violência frágil, e o Espírito Santo, por concentrar a maior quantidade de
assassinatos de mulheres em proporção ao número de habitantes do País, segundo
o Mapa da Violência, são lugares que demandam bastante atenção por parte dos
governos.
No Espirito Santo, segundo o Mapa da Violência- Homicídio de
Mulheres no Brasil, de 2012 (o mais recente),175 mulheres foram mortas em 2010
- taxa de 9,8 assassinatos para cada 100 mil habitantes. De acordo com Leonor
Araújo, subsecretária de Movimentos Sociais da Casa Civil do Espirito Santo,
60% desse total foram causados por violência doméstica. "É um crime
difícil [de combater] porque o acesso é difícil e a polícia não pode interferir
diretamente, a não ser que tenha uma denúncia", disse. Segundo ela, a
própria vítima de violência não denuncia por medo do agressor, que na maioria
das vezes é o marido (ou companheiro), por uma "questão cultural",
que favorece o machismo, por dependência financeira, e por desconhecimento em
relação aos próprios direitos.
"As causas [para o medo de denunciar a agressão]
geralmente são a falta de qualificação profissional, que causa a dependência
financeira, e faz com que ela fique em um casamento violento. Ela também tem
medo de se separar do marido e perder a guarda dos filhos. A pouca informação
contribui para violência. A mulher não sai desse ciclo e não denuncia. Quando
ela chega na delegacia, está há anos sofrendo violência", diz Eleonor.
Ela admite que o Estado tem políticas frágeis de combate à
violência contra a mulher (inclusive no levantamento de dados sobre o assunto)
e que a cultura "predominantemente machista do capixada" favorece o
grande número de assassinatos de mulheres. Mas diz que está o Estado está
trabalhando para ampliar a rede de proteção às vítimas.
"Estamos ampliando o número de delegacias
especializadas, qualificando policiais para trabalhar com esse tipo de público,
criando um centro especializado para atendimento à mulher vítima de violência,
que deve ser inaugurado até novembro, com psicólogos, assistentes sociais,
pedagogos e cientistas sociais, além de um trabalho com os homens agressores em
dois presídios do Estado".
Em Alagoas, também citado pela representante do governo,
segundo colocado no ranking de Estados com mais mortes de mulheres, 134
mulheres foram assassinadas em 2010 (8,3 para cada 100 mil habitantes).
De acordo com Solange Albuquerque Viegas, superintentende de
Promoção dos Direitos e de Politicas para Mulheres da Secretaria de Estado da
Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos, 70% dos assassinatos de mulheres
são em decorrência da violência domestica e 30% são em decorrência do
envolvimento com tráfico de drogas e por causa da violência urbana, como assaltos
e balas perdidas. Ela diz que o Estado vem trabalhando uma mudança de
mentalidade das próprias mulheres para que elas denunciem a violência sofrida.
"Precisamos de mais campanhas informativas e educativas.
Em março fizemos uma na televisão com inserções por uma semana. O objetivo é
trabalhar junto às mulheres para que elas sejam menos violentadas e que elas
denunciem. Nossa perspectiva é que dimunua o número de mulheres violentadas e
que eliminemos o número de mulheres mortas neste contexto", diz.
Violência contra a mulher no Brasil
Segundo o Mapa da Violência 2012 - Homicídios de Mulheres no
Brasil, de autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, o País é o sétimo no
ranking mundial de assassinatos de mulheres, com uma taxa de 4,4 homicídios em
100 mil mulheres.
Ainda de acordo com o estudo, que analisou 70.270 ocorrências
de violência contra mulheres registradas no Sistema Nacional de Atendimento
Médico (Sinan) em 2011, a maior parte das ocorrências (71,8%) acontecem dentro
da casa da vítima. O estudo indicou que o conjuge foi o autor em 27,6% dos
casos de agressão. Esse percentual sobre para 49,3% das ocorrências, no caso de
mulheres entre 30 e 39 anos que sofreram agressão física em 2011.
Além disso, o estudo indicou que a violência física é prepoderante,
englobando 44,2% dos casos. A psicológica ou moral representa 20,8% dos casos,
enquanto a violência sexual é responsável por 12,2% dos atendimentos.
Fonte: Rede Feminista
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