Na época do cangaço, era comum o povo largar suas casas e correr para o mato assim que se espalhava a notícia de que o bando de Lampião ou de Corisco andava pela região. O medo era tanto que preferiam perder os pertences a arriscar a própria vida. Todos sabiam, onde os cangaceiros passavam, deixavam um rastro de terror, mortes e destruição.

Foi assim quando o grupo de Mané Silili, Nevoeiro, Juremeira, Beija-Flor e Calais cruzou o sertão e chegou a Uauá pela fazenda Boa Vista do Silvano. A fama deles corria solta pelos sertões, ninguém dormia tranquilo. Quando alcançaram a Fazenda Cabeçudo, tomaram uma casa e lá se alojaram. Enquanto comiam, bebiam e saqueavam, um grupo de homens da região se armava para enfrentá-los.

Entre esses homens estavam Otacílio Rodolfo, Zeca Calixto, Prucídio e Alfredo Gasparino de França, do Paredão. Eles decidiram cercar a casa. No confronto, Alfredo acertou um tiro certeiro em Nevoeiro, a bala atravessou a nuca do cangaceiro e deixou, até hoje, a marca na parede do fundo da casa. Zeca Calixto matou Silili, e Otacílio Rodolfo, por sua vez, derrubou Juremeira e Calais. Apenas Beija-Flor conseguiu escapar com vida.

Naquele tempo, a justiça no sertão era feita com as próprias mãos. Mas o destino ainda guardava um desfecho curioso. Silili havia deixado um filho com Dona Juvitinha da Barreira, para que ela o criasse. Era filho dele com uma cangaceira chamada Getúlia. O menino cresceu sob os cuidados da professora Juvitinha, que lhe ensinou a ler e escrever.

O garoto se tornou homem, forte e inteligente, conhecido como Antônio de Juvitinha. Ingressou na polícia, mas trazia no peito a mágoa pela morte do pai. Jurou um dia vingar-se de Zeca, o homem que o matara. A tensão se espalhou por toda a região. Zeca, temendo a vingança, procurou Josino de Herculano, homem de respeito, para interceder. Josino, com sabedoria, resolveu o caso no diálogo e conseguiu evitar outra tragédia. Antônio acabou sendo transferido para Cansanção, encerrando ali a história de vingança.

Mas há um detalhe que o tempo não apagou. O padre de Uauá, na época, não permitiu que os corpos dos cangaceiros fossem enterrados no cemitério. Mandou que se abrisse uma única cova à ribanceira do Rio Vaza-Barris, ao lado do antigo campo santo. E foi ali, fora do cemitério, que os corpos dos bandoleiros descansaram.

Dizem que, algum tempo depois, nasceram dois pés de eucalipto sobre a cova, e que as árvores cresceram inclinadas, uma sobre a outra, formando a figura de uma cruz. O povo viu nisso um sinal divino, uma espécie de redenção.

Assim, entre lembranças e mistérios, ficou guardado mais um episódio do cangaço em nossas terras. Porque, afinal, a memória do nosso povo é o livro mais original de todos.

Robson Rodrigues 
Uauá Bahia, em 12 de outubro de 2025

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