Dizem que nas noites de cerco em "O Último dos Moicanos" (1992) o campo de batalha parecia vivo, respirando sob o comando de Michael Mann. Para coordenar centenas de figurantes e técnicos, alto-falantes foram espalhados pelo Forte William Henry. Através deles reverberou um dos episódios mais insólitos: incomodado com uma claridade inesperada, Mann gritou: “Que luz laranja é essa? Apaguem essa luz!”. Veio a resposta seca: “É o sol, Michael”. Imerso entre tochas, refletores e fumaça cenográfica, ele não percebeu que a noite já se transformara em amanhecer.
A imersão não era só do diretor. Daniel Day-Lewis, em mais uma de suas transformações extremas, viveu meses na mata como Hawkeye, caçando, pescando e dormindo ao relento. Treinou com um coronel do Exército até dominar armas de época e tornou-se um dos poucos capazes de recarregar um rifle de pederneira em movimento. Mas essa entrega cobrou seu preço: terminada as filmagens, a claustrofobia e “alucinações leves” o levaram a buscar tratamento.
Mais de 900 figurantes nativos-americanos, em sua maioria Cherokee, participaram das batalhas e rituais. Wes Studi falou em cherokee, tornando incompreensíveis algumas falas até para outros indígenas. Russell Means pressionou por melhores condições de trabalho, e nos bastidores surgiram vínculos que perduraram além das câmeras.
O Forte William Henry custou seis milhões de dólares e foi erguido com materiais históricos às margens do Lago James, na Carolina do Norte. Mann não permitia dublês: atores enfrentaram quedas, corredeiras e canoas virando com frequência. Cenas eram refeitas exaustivamente, e a Fox chegou a enviar um emissário só para tentar conter o diretor — em vão.
A versão original foi aparada pelo estúdio, mas Mann reeditou o filme anos depois. Entre quedas de cachoeiras e notas de violino não creditadas, "O Último dos Moicanos" uniu história e romance épico. O Oscar de Melhor Som foi seu único prêmio da Academia, mas nos bastidores, entre o riso pelo “sol laranja” e o silêncio dos Apalaches, permaneceram os vestígios de uma produção tão intensa quanto a guerra que retratava.
Pesquisa e redação: Daniel de Boni
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