AO SE
VOLTAR PARA A RELIGIÃO NA PRISÃO, BRASILEIRO TERMINA NO OUTRO LADO DAS GRADES
Histórias de
conversões religiosas fervorosas são frequentes nas prisões brasileiras, onde
abundam o desespero, abuso e a visita de equipes de cristãos evangélicos.
Mas poucos
presidiários são tão arrebatados por sua nova fé que optam por permanecer
próximos da prisão após sua soltura.
Foi isso o
que Antônio Galdino da Silva Neto fez, lhe dando um caminho incomum na vida, um
policial que virou assassino condenado e depois diretor de presídio.
Ele passou
cinco anos na força policial do Estado antes de ser enviado como preso para o
presídio Complexo do Serrotão, no ensolarado Estado da Paraíba, em 1992,
condenado a 15 anos por matar sua jovem esposa após uma briga doméstica
embriagado.
De cara, ele
se deparou com as condições altamente abusivas da unidade. Ele passou sua
primeira semana nu em uma cela de triagem, onde larvas rastejavam pelo chão.
Então veio a
companhia hostil que ele seria forçado a manter. Em sua carreira na polícia,
que ele descreveu como "muito violenta", Antônio Galdino matou várias
pessoas em serviço e prendeu muitos dos ladrões e traficantes de drogas que
passaram a ser seus companheiros de cela.
Ao passar
pelas celas deles, dessa vez como preso, eles sacudiam as grades e lhe
xingavam. Homens iam até sua cela para lhe fazer ameaças de morte.
"Eu
passei a viver no inferno", disse Antônio Galdino, 48 anos.
Amigos lhe
deram uma faca e um revólver, que ele escondeu em sua cama. Ele disse que
testemunhou um assassinato dentro do presídio. Em outra ocasião, quando acordou
no meio da noite para usar o banheiro, ele se deparou com um homem sendo
atacado sexualmente por quatro outros.
Na Paraíba,
um Estado pobre no Nordeste do país, o assassinato de presos, inclusive por
decapitação, é comum durante rebeliões nos presídios.
Essas cenas
de caos ocorrem por todo o Brasil, à medida em que as prisões do país se
tornaram superlotadas ao longo das duas últimas décadas e sua população
carcerária ultrapassou meio milhão.
Os tribunais
sobrecarregados e as prolongadas guerras das drogas exacerbam a superlotação.
Cerca de 40% da população carcerária do Brasil é composta de detidos aguardando
julgamento, e as acusações envolvendo drogas representam um quarto das
detenções no país.
Grupos de
direitos humanos com frequência têm dificuldades de entrar nos presídios, mas
as portas são abertas mais facilmente para as igrejas. Foi por meio desse canal
que a mudança de Antônio Galdino teve início.
Primeiro,
surgiram rumores de que ele estava na lista de ex-policiais que seriam mortos.
O diretor do presídio então o colocou na solitária.
Sentindo-se
miserável após 20 dias sozinho, ele recebeu a visita de um pastor da Igreja
Universal do Reino de Deus, um império cristão evangélico cujos ensinamentos
são semelhantes ao de pastores americanos do "Evangelho da Riqueza",
como o reverendo Creflo A. Dollar Jr.
Antônio
Galdino passou a rezar fervorosamente e pediu para retornar à cela
compartilhada e para a área comum dos presos. Como ele se recorda, o diretor
lhe disse: "Cara, a Bíblia não vai impedir que você seja esfaqueado no
pátio".
Ele se livrou
de suas armas e passou a pregar para outros presos. Ele conheceu sua atual
esposa, uma professora e fiel da igreja, quando ela visitou a prisão.
Ele obteve
mudança para regime aberto, após cumprir cinco anos de sua sentença, por bom
comportamento.
Suas
primeiras ofertas de trabalho após sua soltura eram para uma volta ao mundo do
crime, incluindo escoltar cargas ilícitas de cigarros do Paraguai e uma oferta
para realizar uma morte por encomenda. Ele disse que as recusou. Curiosamente,
ele foi autorizado a trabalhar de novo na segurança pública como escolta armada
para políticos, o que lhe rendeu a amizade de muitos legisladores. Então ele se
tornou uma personalidade local, por meio de programas de rádio e o ativismo
junto a famílias de presos.
Em 2011,
para sua surpresa, Antônio Galdino foi convidado pelo governador para ser o
diretor de um dos presídios do Estado.
"Ele é
o único que experimentou tudo pessoalmente, e é isso o que faz a
diferença", disse Bosco Francisco do Nascimento, um padre e ativista que
passou décadas defendendo os direitos dos presos.
Mesmo assim,
o policial que virou assassino e depois diretor de presídio enfrenta uma
batalha morro acima para convencer outros.
Manuel Leite
de Araújo, o presidente de um sindicato que representa os agentes
penitenciários, disse que alguns guardas são contrários à abordagem amistosa,
"sentimental", de Antônio Galdino para com os presos, notando que um
comitê de agentes penitenciários pediu ao sindicato que apoie a remoção dele do
cargo.
Apesar de
muitos evangélicos brasileiros apoiarem movimentos políticos de resposta dura à
criminalidade, a abordagem de Antônio Galdino o coloca mais próximo dos
ativistas de direitos humanos da esquerda. Ele critica as políticas de
encarceramento que ele diz atingir os pobres por acusações relacionadas às
drogas, não violentas.
"Precisamos
mudar nossos presídios, que estão cheios de pessoas de pele escura que são
pobres e miseráveis", ele escreveu em uma recente postagem no Facebook.
Sua
recuperação também mostra que alguns brasileiros tendem a perdoar perpetradores
de certos crimes mais prontamente do que outros.
"Ele
foi um policial que matou sua parceira, sua esposa", disse Ednaldo
Oliveira Correia, 37 anos, que trabalhou por 14 anos no sistema penitenciário
da Paraíba, inclusive como diretor, e agora é um apresentador de rádio e um
forte defensor do trabalho de Antônio Galdino. "Isso é diferente de outras
pessoas que entraram no mundo do crime por meio de assaltos e tráfico de
drogas."
A primeira
mudança que Antônio Galdino promoveu quando se tornou diretor de penitenciária
na cidade de Sapé foi derrubar a porta da cela da solitária, do tamanho de um
armário, com uma marreta.
"Eu
queria destruí-la com uma bomba", ele disse.
O presídio é
superlotado, com quase 200 presos em um espaço para 40. Esgoto não tratado faz
com que os visitantes sejam recebidos por mau cheiro. Mas o humor entre os
presos parece oscilar entre a indiferença e a descontração.
"Isso
aqui não é uma prisão", disse Idmark dos Santos da Silva, 36 anos, que
cumpre pena por assalto a banco. "É uma creche."
Ayrllys
Mateus Silva, 24 anos, uma cobradora de ônibus e filha de Antônio Galdino com a
esposa que ele matou, disse que tanto ela quanto sua avó o perdoaram, e que ela
visitou o presídio dele em Sapé.
"Estou
orgulhosa da forma como ele trata as pessoas", ele disse.
Taylor Barnes
Em Sapé (PB)
Em Sapé (PB)
João Medeiros/Folhapress