“Acho errado
internar menores em penitenciárias de adultos”
O ALERTA DE DRAUZIO VARELLA: Um rapaz de 16 anos
chega numa penitenciária de homens mais velhos com medo de ser estuprado,
abusado e de perder a vida nas mãos dos desafetos. Será presa fácil das facções
que dominam os presídios. Contará com a proteção do grupo e com as vantagens da
cesta básica para a mãe e o transporte gratuito para a família visitá-lo nas
cadeias espalhadas pelo interior. Quando for libertado, entretanto, será
forçado a pagar uma mensalidade de cerca de R$ 700, cobrada a pretexto de retribuir
aos irmãos presos a ajuda que recebeu enquanto esteve na mesma situação
Maioridade penal
POR DRAUZIO VARELA
POR DRAUZIO VARELA
Acho errado internar menores em penitenciárias de adultos.
É evidente que um adolescente de 16 ou 17 anos capaz de assaltar à mão
armada e atirar naqueles que se negarem a obedecê-lo tem consciência plena de
que comete um ato abominável. Considerá-lo criança imatura para compreender a
enormidade do crime praticado é paternalismo ridículo.
Também acho frouxa a legislação atual que recolhe um assassino dessa
idade à Fundação Casa, para ser submetido à privação da liberdade e a medidas
socioeducativas, por um período máximo de três anos.
Por coincidência, nesta semana a revista ‘The Economist’ publicou uma
matéria em que analisa a experiência americana com a prisão de menores nas
penitenciárias do país.
A Constituição americana garante a cada Estado a liberdade para julgar
menores da forma que considerar mais justa.
Em Nova York maiores de 16 anos são enquadrados nas leis que regem os
adultos, independentemente da natureza do crime. No Mississipi, a partir dos 13
anos, os autores de crimes graves recebem condenações iguais às dos adultos; em
Wisconsin, a partir dos 10 anos em casos de assassinato.
Apenas em 2005, a Suprema Corte dos Estados Unidos proibiu que menores
de 18 anos fossem condenados à morte. Em 2010, foi vetada a prisão perpétua
para menores que não tivessem cometido assassinatos.
De acordo com a Anistia Internacional, hoje há no país 2.500
prisioneiros condenados à prisão perpétua por crimes cometidos antes da
maioridade.
Quais as consequências de leis tão severas?
Paradoxalmente, no período de 1990 a 2010, o número de menores em
penitenciárias aumentou 230%, segundo o insuspeito Centers for Diseases Control
and Prevention (centros de controle e prevenção de doenças, em português).
A probabilidade de um adolescente condenado a cumprir pena com os
adultos voltar a delinquir é cerca de 35% maior do que aqueles que são julgados
pelas leis específicas para infratores jovens.
Do ponto de vista pessoal, não tenho a menor simpatia por criminosos de
qualquer idade, mas frequento cadeias como médico há 26 anos.
Não é preciso ser grande criminalista para saber que é mais fácil
recuperar para o convívio social infratores mais jovens. Marginais de longas
carreiras têm a vida tão estruturada no mundo do crime que eles dificilmente se
adaptam ao convívio com a sociedade que os rejeita.
Para agravar-lhes a desesperança, passaram tantos anos enjaulados em
condições desumanas nos presídios brasileiros que o aprisionamento só serviu
para castigá-los e torná-los ainda mais revoltados e antissociais.
Trancar adolescentes em celas apinhadas de criminosos profissionais pode
atender aos desejos de vingança da população assaltada por eles nas esquinas,
mas é uma temeridade.
Se houvesse prisão perpétua ou pena de morte no Brasil, como defendem os
radicais, poderíamos ficar livres deles para sempre.
Não sendo esse o caso, dia mais, dia menos, eles voltarão às ruas.
Estarão recuperados, dispostos a respeitar seus concidadãos, ou mais
agressivos?
Um rapaz de 16 anos chega numa penitenciária de homens mais velhos com
medo de ser estuprado, abusado e de perder a vida nas mãos dos desafetos. Será
presa fácil das facções que dominam os presídios. Contará com a proteção do
grupo e com as vantagens da cesta básica para a mãe e o transporte gratuito
para a família visitá-lo nas cadeias espalhadas pelo interior.
Quando for libertado, entretanto, será forçado a pagar uma mensalidade
de cerca de R$ 700, cobrada a pretexto de retribuir aos irmãos presos a ajuda
que recebeu enquanto esteve na mesma situação. Para saldar essa dívida eterna,
não poderá mais abandonar a vida no crime, a menos que arrisque perdê-la.
Se a sociedade julga suave a condenação máxima de três anos na Fundação
Casa, no caso de menores de idade autores de crimes hediondos, nada impede a
criação de leis que lhes imponham penas mais longas.
Mas que sejam cumpridas em presídios especiais, distantes da convivência
com marginais perigosos.
Violência urbana é doença contagiosa que precisa ser tratada com
racionalidade técnica, baseada em evidências. Adotar medidas drásticas ao sabor
das emoções quase sempre provoca efeitos opostos aos desejados.