CAIU O MURO DE BERLIN!
O QUE ERA E COMO FOI CONSTRUÍDO:
Em 9 de novembro de completa-se 25 anos da queda do muro de
Berlim, obra do governo comunista alemão em resposta a Blitzkrieg (Guerra
relâmpago) ocorrida na década de 1960, quando foi de fato construído.
Depois da Segunda Guerra Mundial o mundo foi separado em dois grandes blocos: países adeptos ao sistema comunista e os países do sistema capitalista.
Depois da Segunda Guerra Mundial o mundo foi separado em dois grandes blocos: países adeptos ao sistema comunista e os países do sistema capitalista.
A Guerra Fria marcou o período histórico entre estes dois blocos e
em nenhum outro país, senão na Alemanha, esta batalha foi tão
efervescente.
Novembro de 1989; depois de terem ouvido pelo rádio um
confuso comunicado das autoridades comunistas sobre a possibilidade dos
cidadãos da Alemanha Oriental, a RDA, terem naquele momento mesmo o direito de
viajar para o Ocidente, uma massa de gente começou a amontoar-se frente às
cancelas que davam passagem pelo muro de Berlim. Assim, espontaneamente, deram
os primeiros passos para por fim à existência daquele paredão hediondo que
desde agosto de 1961 separava os alemães em dois corpos distintos, que por
igual apartava a humanidade inteira em duas facções inimigas.
Nós somos o
povo!
O QUE ERA E COMO FOI CONSTRUÍDO:
Berlim era um território isolado no meio da zona de dominação soviética
na década de 1940. Em 1948 a URSS ordenou o bloqueio das linhas férreas,
estradas e canais através dos quais suprimentos vindos do Ocidente
chegavam a Berlim. Com isso, a cidade acaba dividida em duas: uma
comunista e a outra capitalista. Foi então que em 12 de agosto de 1961 que o
Conselho de Ministros da RDA ordenou cercar a fronteira coma República da
Alemanha e no dia 13 de madrugada, cerca de 20 mil policiais da Guarda de
Fronteira, soldados e funcionários da Stasi, e mais diversos operários
começaram a demarcar a divisa. Em seis horas, 155 km em volta de Berlim
Ocidental estavam cerdacos. A população não podia sair e estava literalmente
presa. Em 1962 teve início a construção de uma segunda linha do muro, que criou
um vão morto entre as duas paredes e em 1975, os orientais iniciaram um novo
muro sobre o atual, aumentando a altura em 3,6 m.
Anoitecia em Berlim. A concentração humana foi se dando aos
poucos. Era uma daquelas tardes-noite gélidas de novembro, mas a exaltação dos
que se apinhavam nas cancelas da fronteira da cidade dividida fez com que
ignorassem tudo, do frio e ao medo.
Como se fora uma imensa escultura expressionista, o grande
muro de cinco metros de altura que os separava do mundo, cinzento, farpado,
medonho, se estendia para todos os lados formando um cinturão de mais de 45
quilômetros de extensão (sendo que 37 deles dentro da zona residencial).
Era a
última noite daquela horrorosa muralha, erguida a mando dos soviéticos em 1961,
ainda inteira.
Os gritos começaram. O coro aumentava, o refrão era cada vez
mais forte:
O longo cativeiro deles estava por terminar.
O 9 de
novembro
Os guardas orientais, os outrora tão temidos Vopos,
perplexos, embaraçavam-se frente à multidão que afluía de todas as partes.
Os
milicianos entravam nas guaritas e, em telefonemas desesperados, pediam
instruções. Os seus superiores sumiram. Os comunistas se volatilizaram. Do
outro lado do muro, em Berlim Ocidental, outra massa de gente que para lá
correra gritava para que erguessem as cancelas, que deixassem os do leste sair.
E assim se deu. Naquela noite de 9 de novembro de 1989, entre os abraços e
vivas de irmãos desencontrados, a Alemanha voltava a ser uma só.
Tudo passa
pela Porta de Brandeburgo
Confirmava-se o que Heinrich Heine, o poeta lírico, dissera
certa vez sobre o alemão ser lerdo em dar o primeiro passo, mas "uma vez
se movendo nalguma direção, segue-a até o fim com a mais tenaz
perseverança". Assistiu-se nas cercanias do Portão de Brandeburgo um duplo
fenômeno: a reunificação alemã sepultou a Guerra Fria e a aceleração do fim da
União Soviética (ocorrida em 1991).
Para W. R. Smyder, um americano estudioso da política do
após-guerra, isso não causou nenhuma surpresa:
As desavenças em torno da posse da Alemanha provocaram o
confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética. O consenso entre Reagan
e Gorbachev em desocupá-la encerrou-o. Ela atou e desatou a Guerra Fria.
O azar e a
sorte da Alemanha
Nesta história, os alemães até que tiveram sorte. Se a
geografia antes lhes fora madrasta, colocando-os bem no centro de uma Europa
quase que permanentemente convulsionada, envolvendo-os obrigatória e
diretamente em todas as guerras lá travadas nos últimos três séculos, a posição
estratégica que ocupam os salvou de coisa pior depois de 1945. Os vencedores,
tanto os americanos como os soviéticos, em crescente hostilidade, trataram de
erguer e fazer prosperar o "seu" lado da Alemanha, dividido entre
eles desde os tratados de Yalta e Potsdam.
Estimulados a voltar ao trabalho e pacificados, o resultado
não demorou a aparecer.
A parte ocidental, tocada pelo Wirtschaftwunder, o Milagre
Econômico, de 1948-1952, logo galgou a posição do país mais bem-sucedido da
Europa. A oriental, por sua vez, tornou-se a mais avançada do bloco socialista.
Encolhida a mão dos ocupantes 45 anos depois, retirados os exércitos de
ocupação, ambas as Alemanhas, como poderosos imãs, voltaram a se juntar.
Hegel e a
unificação alemã
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, o grande filósofo, num ensaio
constitucional sobre o futuro da Alemanha, o Die Verfassung Deutchlands, de
1802, não apostou então nem um níquel no povo alemão, ou suas assembleias
provinciais, vir a desempenhar algum dia um papel significativo numa possível
unificação. "Eles nada sabem em absoluto", escreveu o pensador, pois
para o alemão comum a questão da unidade nacional era "algo completamente
estranha".
O que os alemães precisavam era de um Teseu, um
estadista-guerreiro como fora o ateniense, um conquistador capaz de
organizá-los e compeli-los à unidade.
Se isso foi premonitório do papel que Napoleão desempenhou
durante a ocupação francesa da Alemanha (entre 1806-1813), e mesmo da ascensão
do IIº Reich de Bismarck em 1871, o que diria o velho Hegel se visse o que
testemunhamos na Porta de Brandeburgo? Lá estava o povo alemão desmentindo-o.
O fim do muro
Confraternizando nas brechas já abertas do muro – àquela
altura assaltado por centenas de picaretas e martelos –, sem que ninguém
tivesse ordenado, era a gente simples da cidade, jovens na maioria, quem no final
pôs fim naquilo, seguindo apenas os seus sentimentos mais profundos. Nenhum
titã os guiava, sequer um pseudo-salvador da pátria arengava para eles. Não
estavam armados nem furiosos, apenas davam vazão à embriagadora sensação de
estarem juntos e livres novamente.
A QUEDA DO Muro de Berlim, em 1989, é um marco na história da
humanidade. Representou grande vitória da liberdade: liberdade econômica e
liberdade política.
Propiciou a substituição de regimes autoritários e de
economia centralmente planificada por regimes democráticos de economia de
mercado.
Essa nova realidade gerou um clima de generalizada euforia e,
por parte de muitos, a expectativa de que a combinação de liberdade política
com liberdade econômica fosse capaz de promover tanto acelerado progresso
material, ou seja, crescimento econômico, como uma justa distribuição dos
frutos dessa maior produção, ou seja, justiça social.
Vinte anos passados, verifica-se que essa expectativa era
demasiadamente otimista. Apesar de sensíveis avanços obtidos em termos de
liberdade política e de liberdade econômica, os resultados institucionais e
materiais ficaram bem aquém do esperado. A implementação de regimes
democráticos sofreu vários percalços e, infelizmente, ainda vigoram, em
diversos países, elevada corrupção, práticas autoritárias e restrições à plena
liberdade de manifestação. Ao mesmo tempo, os resultados econômicos não são
satisfatórios, especialmente em termos de uma justa repartição da renda.
Esses dois fatos estão interligados.
O bom funcionamento de uma economia de mercado requer um
quadro institucional democrático e regras justas, que sejam obedecidas por
todos, propiciando assim a necessária segurança jurídica e confiança para que
as transações econômicas e, em especial, os investimentos se realizem de forma
eficiente. E, para isso, é indispensável uma cultura democrática, que,
infelizmente, não se constrói da noite para o dia.
Ela é fruto de anos de convivência com as liberdades básicas
e de respeito às instituições democráticas. Paul Krugman, corretamente, aponta
a falta de cultura democrática como um importante fator para o fraco desempenho
econômico das nações do Leste Europeu nos primeiros anos da conversão de suas
economias para o regime de mercado.
No Brasil, a Constituição Federal, promulgada em 1988, foi
redigida antes da queda do Muro de Berlim e do colapso dos regimes comunistas
de planejamento central da Europa e, por isso, ainda sob a influência da
experiência socialista soviética. Mas essa influência não foi preponderante a
ponto de os parlamentares do PT, Lula incluído, terem se recusado a assiná-la
por considerarem o texto muito privatista e pouco socialista.
Mesmo assim, os novos ventos da liberdade que sopraram no
país tiveram consequências positivas, e muito do excesso estatizante e xenófobo
ainda remanescente na Constituição foi retirado, sempre com a feroz oposição do
PT e com envergonhada relutância de expressiva parcela do PSDB.
Essas mudanças viabilizaram importantes reformas estruturais
e a modernização do Estado brasileiro, com a transformação do papel do setor
público de produtor de bens e serviços para regulador da atividade econômica, e
muito contribuíram para o sucesso do Plano Real.
Ao mesmo tempo, a liberdade política no Brasil, reconquistada
depois de anos de regime militar autoritário, conseguiu superar difíceis
momentos, como a morte de Tancredo e o impeachment de Collor, ganhou força no
dia a dia da vida nacional e se consolidou, criando profundas raízes nas
instituições brasileiras.
Foram a construção e a consolidação dessa combinação de
democracia com economia de mercado e estabilidade de preços, obtidas por meio
do esforço persistente de muitos, que colocaram o Brasil em novo patamar de
reconhecimento internacional e propiciaram elevadas perspectivas de crescimento
econômico.
E O BRASIL?
O Brasil hoje é visto como um país que deu certo.
Surpreendentemente, porém, autoridades do governo federal que
até pouco tempo atrás fizeram parte desse esforço, ainda que o criticassem
quando eram oposição, têm pregado a descontinuidade dessa política. Em vez de
reconhecerem que o sucesso atual da economia brasileira é fruto da permanência
ao longo de décadas de políticas econômicas democráticas, querem, em um acesso
de saudosismo, mudar as regras do jogo e voltar a um passado de estadismo e
xenofobia característico do período do Muro de Berlim.
Caso essa recente tendência não seja revertida, correremos o
risco de voltar a ser o permanente país do futuro que nunca chega e de nos
identificarmos como uma clássica republiqueta sul-americana.
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO, 65, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é professor titular da FEA-USP e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial-ETCO.
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO, 65, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é professor titular da FEA-USP e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial-ETCO.
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