Luiz Gama (1830-1882): enfim,
advogado
MUITO TEMPO DEPOIS, 133 ANOS APÓS SUA MORTE...
Abolicionista que libertou mais de
500 negros por via judicial receberá título simbólico da OAB
Negro liberto que se tornou
libertador de negros, Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) ficou conhecido
como um rábula que conseguiu alforriar, pela via judicial, mais de 500
escravos. Rábula, porque exercia a advocacia sem ser advogado.
Numa tardia reescrita da História,
sua designação vai mudar. Na noite da próxima terça (3), em cerimônia na
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Luiz Gama deve receber da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), 133 anos após a morte, o título de advogado. “No
atual modelo da advocacia brasileira, é a primeira vez que tal homenagem é
conferida”, afirma o presidente nacional da OAB, advogado Marcus Vinicius
Furtado Coêlho.
“Já era hora de ele ter esse
reconhecimento oficial”, avalia o advogado Silvio Luiz de Almeida, professor da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e presidente do
Instituto Luiz Gama (ILG). “Além de ter sido um homem importante na questão do
abolicionismo, foi grande jurista e advogado de teses brilhantes.”
O presidente da OAB ressalta que,
“ao longo dos seus 85 anos”, a instituição sempre prestou “homenagem aos
juristas que se destacaram em sua atuação”. “Embora não fosse advogado, Luiz
Gama era um grande defensor da abolição e sua atuação como rábula livrou
inúmeras pessoas dos grilhões escravistas”, pontua. “Seu importante papel foi
lembrado pela Ordem recentemente, num livro editado pela entidade,
chamado Advogados Abolicionistas. Trata-se de uma justíssima
homenagem a quem tanto lutou por liberdade, igualdade e respeito.”
Na cerimônia, Luiz Gama será
representado por um tataraneto, um de seus 20 e tantos descendentes vivos, o
engenheiro eletricista aposentado e empresário Benemar França, de 68 anos (foto
abaixo). “Tomei contato com a biografia desse meu antepassado quando estava no 2º
ano do ginasial e um professor de História pediu que pesquisássemos, cada um,
sobre as nossas famílias, a nossa genealogia”, conta. “O que descobri encheu-me
de orgulho.”
Foto: Rafael Arbex/ Estadão
Além da condecoração póstuma, o
evento Luiz Gama: Ideias e Legado do Líder Abolicionista prevê dois dias de
palestras e debates no Mackenzie (programação completa mais abaixo).
Após o título simbólico de advogado, o ILG pretende solicitar que a seccional
paulista da OAB confeccione uma carteirinha de afiliado em nome de Gama – e que
a mesma fique exposta no Museu Afro Brasil.
Autor da biografia Luiz
Gama: O Advogado dos Escravos, publicada pela editora Lettera.doc em 2010,
o advogado Nelson Câmara acredita que a iniciativa da OAB é correta “embora
serôdia”, ou seja, tardia. “Era um sujeito de grande luminosidade”, afirma
Câmara. “Como jurista, pesquisei os antigos arrazoados dele, que eram
manuscritos e ainda dirigidos ao Tribunal de Apelação, hoje Tribunal de
Justiça, pedindo habeas corpus para negros cativos.”
“Gama foi um dos introdutores do
liberalismo jurídico no Brasil, o que era absolutamente inovador no Direito
brasileiro daquela época”, explica o professor Almeida. “Era alguém
absolutamente impressionante.”
QUEM FOI LUIZ GAMA:
Vida e morte. Nascido em Salvador, filho de um português com uma escrava liberta, foi vendido como escravo pelo próprio pai quando tinha 10 anos. Alforriado sete anos mais tarde, estudou Direito como autodidata e passou a exercer a função, defendendo escravos. Também foi ativista político, poeta e jornalista.
Vida e morte. Nascido em Salvador, filho de um português com uma escrava liberta, foi vendido como escravo pelo próprio pai quando tinha 10 anos. Alforriado sete anos mais tarde, estudou Direito como autodidata e passou a exercer a função, defendendo escravos. Também foi ativista político, poeta e jornalista.
Ele bem que tentou cursar Direito
no Largo São Francisco. “Mas a aristocracia cafeeira da época não permitiu,
porque ele era negro”, atesta Câmara. “Mesmo assim, era assíduo frequentador da
biblioteca de lá.”
No prefácio do livro O
Advogado dos Escravos, o jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da
Justiça, afirma que Gama foi “o negro mais importante do século 19”, “cujas
petições podem ser lidas para auferir ânimo na luta contra todas as injustiças
que ainda nos assolam”.
Por complicações da diabetes, o
abolicionista, entretanto, morreria seis anos antes de a Lei Áurea ser
promulgada. Dez por cento da população paulistana, de acordo com estimativas da
época, compareceram ao seu enterro – São Paulo contava então com 40 mil
habitantes.
A multidão começou a chegar ao
Cemitério da Consolação, onde ocorreu o sepultamento, ao meio-dia – o enterro
estava marcado para as 16 horas. Amigo de Gama, o escritor Raul Pompeia
acompanhou o funeral. Não houve transporte oficial para o cortejo fúnebre. Do
Brás, onde ele morava, o caixão veio passando de mão em mão até chegar à
sepultura, num gesto coletivo em que as pessoas queriam carregar, ainda que por
instantes, o ilustre morto.
estadao.com.br
VEJA O QUE DISSE ESTE ATOR NEGRO SOBRE ESTE DIA:
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