A GREVE DOS CAMINHONEIROS E O QUE ESTÁ POR TRÁS DELA

A GREVE DOS CAMINHONEIROS E O QUE ESTÁ POR TRÁS DELA:


 E a esquerda ganha o que com ela?
Como a greve de caminhoneiros é lida pela esquerda e pela direita
Liderança fragmentada, ausência de interlocutores e dispersão ideológica dificultam interpretação política do movimento que parou o Brasil
Os bloqueios de rodovias por caminhoneiros, iniciados na segunda-feira (24), causaram desabastecimento de combustíveis, alimentos, entre outras mercadorias, afetaram serviços, como o transporte público e a coleta de lixo, e provocaram um dos mais graves abalos no governo do presidente Michel Temer desde que ele teve início, em maio de 2016. 
A questão é como exatamente isso ocorreu. Isso porque, atrás da palavra “caminhoneiros”, há uma sopa de pelo menos nove siglas de entidades de classe e milhares de trabalhadores do setor que não são ligados a nenhuma delas em particular. A pauta parte da redução do preço do diesel, passa pelo preço do frete e do pedágio para, a partir daí, ser reprocessada por grupos de direita e de esquerda, que agregam críticas à forma de gestão da Petrobras, ao livre mercado, ao tamanho do Estado e à cobrança de impostos. Nas estradas, há caminhoneiros que pedem “intervenção militar”.  Nenhuma central sindical lidera os protestos. Os próprios caminhoneiros não erguem bandeiras de partidos, movimentos políticos ou balões infláveis com o logotipo de sindicatos ou confederações. Parecem descolados dos atores tradicionalmente envolvidos nas demandas trabalhistas, políticas ou sociais, e preferem os grupos de Whatsapp às assembleias sindicais. 
O que se sabe sobre as origens da greve Parte do movimento ocorreu de maneira espontânea, organizado por trabalhadores autônomos da categoria. Parte foi estimulada por uma cesta de organizações, inclusive empresariais, sobre as quais é impossível saber com precisão o nível de representatividade e ação na greve. Uma das entidades de caminhoneiros é a CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos), que, no dia 15 de maio, havia enviado uma carta ao governo reivindicando redução no preço do diesel e no preço do pedágio, sob ameaça de deflagrar, no dia 21 de maio, uma paralisação nacional, como de fato ocorreu. 
O acordo que o governo firmou com entidades de caminhoneiros na quinta-feira (24), em Brasília, tem a assinatura de representantes de nove organizações. Apesar da representatividade que o alto número de siglas poderia sugerir, nenhuma delas foi capaz de cumprir a contrapartida exigida pelo governo no dia seguinte: a desobstrução das rodovias. Segundo um anuário elaborado pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), com dados de 2017, os números sobre a frota de caminhões em atividade no Brasil são os seguintes: há 1.088.358 veículos de empresas com caminhoneiros contratados, 553.643 veículos de caminhoneiros autônomos e 22.865 veículos de cooperativas. 
A temperatura ideológica do debate “A verdade é que sabemos muito pouco sobre a mobilização dos caminhoneiros”, escreveu Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP, que realiza trabalho acadêmico de monitoramento de tendências políticas nas redes sociais. De acordo com ele, houve “uma eufórica adesão da população mais despolitizada e, depois, uma adesão dos ativistas de direita, acompanhada de uma hesitação dos ativistas de esquerda”. Ortellado afirma que “a direita logo encampou as manifestações, colando os protestos no ódio aos políticos e aos impostos altos” e, “no começo, uma parte da esquerda apoiou, na chave anti-Temer, mas logo depois começou a aderir a teorias conspiratórias de que os protestos são apenas mais um engodo para criar o caos e facilitar a venda da Petrobrás, uma nova fase do ‘golpe’ ou a intervenção militar”. 
Com isso, diz o pesquisador,  as esquerdas “se isolaram ainda mais do sentimento popular e deixaram a direita liderar a interpretação dos protestos, inclusive impondo a uma parte deles um caráter pró-intervenção militar.” À esquerda, discurso focado na Petrobras Para o PT, os protestos deram a oportunidade de contrastar as políticas de gestão da Petrobras nos governos de Dilma Rousseff e de seu sucessor, Michel Temer – com o intuito de mostrar que a mudança, após o impeachment, foi para pior. Com Dilma, a Petrobras controlava os preços dos combustíveis. Com Temer, a estatal passou a operar com a cotação internacional do petróleo. “A alta dos preços dos combustíveis é resultado direto da gestão privatista da Petrobras, da venda dos seus ativos, da venda do pré-sal, do fim da política de conteúdo local”, disse a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann. Para ela, o problema “não está no tamanho do Estado, nos impostos”, afinal, pergunta: “Como era possível antes ter gasolina mais barata?!” 
O PSOL foi em linha parecida. O pré-candidato do partido à Presidência, Guilherme Boulos, disse, em vídeo postado na internet: “O que estamos vendo hoje no Brasil é resultado da política desastrosa de Temer e Pedro Parente na [presidência da] Petrobras. Empresa pública tem que servir ao povo brasileiro e não para dar lucro a meia dúzia de acionistas lá fora.” 
Tanto Gleisi quanto Boulos defendem que o preço do petróleo e de seus derivados – incluindo o diesel, a gasolina e o gás de cozinha – deve ser controlado pelo governo, mesmo que a contenção de uma eventual alta implique na perda de lucros para a empresa e seus acionistas (entre os quais está o próprio governo). 
Outra parte importante do debate esteve focado, à esquerda, na tentativa de tentar definir se o movimento era uma greve de trabalhadores ou um locaute, que é o nome dado às paralisações nas quais os patrões é que impendem seus próprios empregados de trabalhar, como forma de pressionar por uma determinada pauta. “Há os interesses das transportadoras de médio e grande porte e o de trabalhadores. 
Evidentemente, há uma disputa constante pela hegemonia na direção dessas lutas. Classificar de saída a mobilização como locaute é algo de extrema irresponsabilidade e ligeireza”, disse Gilberto Maringoni, que foi candidato ao governo paulista nas eleições de 2014 pelo PSOL. À direita, foco nos impostos e no ‘Estado enxuto’ 
O ex-presidente do BNDES Paulo Rabello de Castro, hoje pré-candidato à Presidência pelo PSC, defendeu o equilíbrio entre “sensibilidade social” e “racionalidade econômica” para resolver o impasse. 
Em geral, esse foi o mote que predominou entre os liberais que defendem a independência da Petrobras em relação às ingerências do governo, mas que não negam a legitimidade das demandas dos caminhoneiros. 
João Amoêdo, pré-candidato à Presidência pelo Novo, criticou o que ele vê como “um governo inchado” e reclamou de que a Petrobras exerce um monopólio nocivo no setor. Ele defendeu a privatização da empresa e declarou que “a manifestação dos caminhoneiros é similar ao sentimento de muitos brasileiros, mas a luta deve ser contra o governo e não contra o povo brasileiro” – numa crítica ao fechamento de rodovias que impede a circulação de pessoas e de bens. O MBL (Movimento Brasil Livre), que teve papel importante nos protestos que levaram ao impeachment de Dilma, publicou mensagens como esta: “Vamos lembrar que política de controle de preços levou a Petrobras a quase falir. O melhor jeito de resolver essa crise é cortar gastos do governo para cortar impostos. 
Voltar à crise de 2016 não dá”. Motoboys e escolares também aderiram Na noite de quinta-feira (24), a paralisação parecia ter chegado ao fim, depois do encontro entre entidades do setor e representantes do governo. Temer prometeu um mês de diesel 10% mais barato, a partir de subsídio federal. 
Ou seja, usaria dinheiro de imposto para bancar a redução do combustível dos caminhões. Na manhã de sexta-feira (25), entretanto, não apenas havia rodovias bloqueadas por caminhões, como outras categorias – como motoboys e motoristas de transporte escolar – também tinham aderido.
No início da tarde, o presidente fez um pronunciamento oficial, em Brasília, dizendo ter autorizado o emprego das Forças Armadas para desbloquear as rodovias.

João Paulo Charleaux

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