MOTOCICLISTAS - CAMINHOS
INTERROMPIDOS
ADRIANA BERNARDES
O crescimento da frota de motos levou o Brasil ao topo do ranking de
acidentes fatais com esse meio de transporte, ficando atrás apenas do Paraguai.
Por aqui, ser jovem e motociclista são dois pré-requisitos para uma vida curta,
interrompida por morte violenta no trânsito. O risco de acidente para quem
trafega de moto é 10 vezes maior do que para quem usa o carro. As razões vão
além da irresponsabilidade. O curso para obter a habilitação, na maioria das
vezes, não passa de uma farsa.
O Brasil tem 10 habitantes por moto. E ocupa o segundo lugar no ranking
de motociclistas mortos em acidentes: sete óbitos por 100 mil habitantes,
ficando atrás somente do Paraguai, com 7,5, segundo o Mapa da Violência 2013 —
Acidentes de Trânsito e Motocicletas. Um sofrimento sem preço e sem fim. Mas
isso não quer dizer que não há um custo a ser calculado.
Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
cerca de 40% dos R$ 50 bilhões gastos, anualmente, com acidentados, ou seja, R$
20 bilhões, é o que o país deixa de ganhar com a perda da produtividade das
pessoas mortas em acidentes.
Justamente nesse ponto, a história se cruza novamente com as vidas
perdidas de jovens motociclistas: eles são as vítimas mais frequentes da guerra
do asfalto.
No Distrito Federal, o crescimento da frota de motos superou o registrado
em âmbito nacional. De 1998 para cá, ela aumentou 13 vezes, enquanto no Brasil
o incremento foi da ordem de nove vezes. No Departamento Nacional de Trânsito
(Denatran), existem 193.829 motocicletas registradas na capital, 11,46% do
total de veículos. Em 1998, elas eram 3% dos 499.049 veículos.
Dois acidentes e choro contido
Como tantos jovens, Rogério da Silva Mendes encontrou a morte aos 20
anos. Um motorista alcoolizado invadiu a contramão da pista em uma curva e
bateu de frente com a motocicleta pilotada por ele. Antônio Eduardo da Silva
Mendes, irmão de Rogério, morreu aos 55, em maio deste ano.
A motorista de um carro não parou no quebra-molas e bateu na traseira da
moto dele. “Eu lido bem com a morte. Estou acostumado a ela. Minha mãe morreu,
alguns irmãos, amigos. Mas a morte dos meus filhos (pausa e choro), eu não
consigo”, confidencia o economiário aposentado Rômulo José Mendes, 83 anos, pai
de Rogério e de Antônio.
“Faz um mês, eu acordei de madrugada com o barulho de uma moto dessas
grandes. Pensei: é o Antônio. Levantei rápido, peguei as chaves para abrir o
portão. Quando cheguei, olhei aqui (silêncio e lágrimas), mas não era ele.” -
Rômulo José Mendes, pai de Rogério e de Antônio
Com cabelos grisalhos, passos lentos e voz emocionada, a mulher de
Rômulo, Genesi Silva Mendes, 89, recebeu a reportagem e se desculpou por não
participar da entrevista. Não tem condições psicológicas para relatar a
condição de mãe que perdeu dois filhos para a violência no trânsito, e um,
ainda bebê, para a meningite. Mas acompanha tudo de longe.
Pouco antes de servir café com pão
de queijo na enorme mesa de madeira, Genesi pega na mão da repórter com jeito
acolhedor e desabafa: “O que mais dói é que o Antônio era muito preocupado com
segurança. Ele se preparou para pilotar a moto. Ele fazia a segurança do grupo
quando viajava. As pessoas precisam ser mais cuidadosas no trânsito”, diz e
volta para o interior da residência.
Quem continua a conversa é o marido dela. “A morte do Rogério, eu só pude
chorar depois do enterro. Tive que ser forte pela Genesi e pelos meus outros
filhos. Estávamos no Espírito Santo, de férias, e tínhamos que voltar
dirigindo. Só pude chorar depois de uma semana. Aí chorei muito, copiosamente.
Um mês depois, os amigos dele vinham conversar e eu desabava”, relembra.
Três décadas após a perda do primeiro filho para o trânsito, Rômulo e
Genesi sentiram novamente a dor lacerante de enterrar um filho. Na tarde de
domingo, 22 de maio deste ano, Antônio Eduardo da Silva Mendes, 55, voltava de
uma viagem com um grupo de motociclistas, entre eles a amiga Tatiana Martins,
44. Na 1ª Avenida do Sudoeste, a motorista de um Hyundai ix35 bateu na traseira
das motos de ambos. Tatiana escapou com ferimentos leves. A vida de Antônio se
perdeu ali.
A quantidade de acidentes com mortos ou feridos impressiona. De 2000 até
outubro deste ano, as autoridades de trânsito do DF contaram 66.441 colisões.
Em 1.791 casos, a vida de uma ou mais pessoas ficou pelo asfalto ou foi
interrompida em até 30 dias. Nos 64.650 registros de batidas, os envolvidos
escaparam com arranhões ou sequelas graves.
De todas as pessoas mortas no trânsito do Distrito Federal em 2015, 24%
estavam atrás do guidão. No país, este índice chega a 30% do total de vítimas
de acidentes. Estudo mais recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) revela que, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a quantidade de
motociclistas mortos é maior que no restante do país. “São estados com renda
per capita mais baixa, onde o primeiro acesso a um veículo privado se dá por
meio da moto. É claro que isso também impulsionou os acidentes e as mortes”,
explica o pesquisador Carlos Henrique Carvalho, do Ipea.
A vida depois dos acidentes
E como fica a vida depois de enterrar dois filhos vítimas da guerra do
asfalto? Rômulo responde com o relato de um acontecimento recente. “Faz um mês,
eu acordei de madrugada com o barulho de uma moto dessas grandes. Pensei: é o
Antônio. Levantei rápido, peguei as chaves para abrir o portão. Quando cheguei,
olhei aqui (silêncio e lágrimas), mas não era ele.”.
Rômulo tira do bolso um lenço de tecido verde claro e enxuga as lágrimas.
Guarda de volta o lenço, respira fundo e continua. “As pessoas saem habilitadas
sem saber dirigir direito. E não prestam atenção no trânsito. Dirijo há mais de
50 anos e nunca machuquei ninguém.”
Católicos, Rômulo e Genesi encontram na fé o amparo necessário para
seguir em frente. Em um encontro de motoqueiros em homenagem a Antônio, Rômulo
e a mulher conheceram, recentemente, a oração de Santo Agostinho;
A morte não é
nada. Um dos trechos impressos num papel cartão com a foto de Antônio diz o
seguinte: “Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho… Você que
aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi”.
BR OU PISTA DE CORRIDA?
A BR-060, uma das rodovias mais utilizadas pelos brasilienses, virou uma
pista de “pegas”. Quase que diariamente, os agentes da Polícia Rodoviária
Federal (PRF) flagram motoristas em velocidades que chegam a passar de 200
km/h, muito acima do limite de 80km/h.
Apontado o radar para a estrada, os policiais rodoviários vêm flagrando
um show de irregularidades e abuso de velocidade, conforme vídeos aos quais o
Metrópoles teve acesso. No dia 16 de abril deste ano, por exemplo, a PRF filmou
uma moto a 206km/h na rodovia que dá acesso não só a capital de Goiás, Goiânia,
mas a cidades turísticas como Pirenópolis e Caldas Novas.
Correio Braziliense.
De acordo com o chefe de Policiamento da PRF, Hugo Franco, existem grupos
organizados que marcam rachas pelo WhatsApp, principalmente no trecho entre
Brasília e Goiânia. “Identificamos motociclistas, por exemplo, que usam a
estrada para fazer pegas. Boa parte deles é do DF”, diz Hugo Franco.
Segundo os agentes, entre todas as rodovias federais que cortam o DF, a
060 é a preferida dos motoristas que apostam as corridas. Para conter os
abusos, a PRF monta operações sistemáticas em dois pontos diferentes da
via. Um deles com um radar portátil que mede a velocidade dos veículos. No
outro, mais à frente, ocorre a abordagem aos infratores.
Veja vídeo com os flagrantes de
abuso de velocidade registrados pela PRF:
Morte sobre rodas
Apenas nos primeiros quatro meses deste ano, a PRF registrou 1.288 casos de excesso de velocidade na BR-060. Em todo o ano passado, foram 5.846 ocorrências.
Apenas nos primeiros quatro meses deste ano, a PRF registrou 1.288 casos de excesso de velocidade na BR-060. Em todo o ano passado, foram 5.846 ocorrências.
Em 17 de janeiro, um motociclista perdeu a vida naquela pista, no
perímetro urbano de Acreúna (GO), após disputar um racha e bater na traseira de
uma carreta. Com o choque, o rapaz de 21 anos não resistiu aos ferimentos
e morreu no local. O outro participante do “pega” não foi identificado. O
condutor da carreta prestou informações à PRF e foi submetido ao bafômetro: ele
não estava alcoolizado.
Já nas pistas do DF, somente neste ano, o Departamento de Trânsito
(Detran) registrou 489 infrações por disputa, competição ou exibição em vias
públicas, que incluem os chamados rachas ou “pegas”. Apesar do número alto, o
diretor-geral do órgão, Silvain Fonseca, considera que medidas adotadas pelas
forças de segurança têm coibido a ação de infratores.
“Fazemos operações diariamente, utilizando viaturas descaracterizadas e
informações da inteligência. Dessa maneira, conseguimos, por exemplo, flagrar
um grupo que costumava apostar corrida próximo à antiga Rodoferroviária e outro
que usava as ruas da Quadra 105 do Sudoeste”, disse Fonseca.
Em
setembro de 2015, o Metrópoles mostrou
como os rachas ocorrem perto da Rodoferroviária. Os motoristas, turbinados com
cerveja, uísque, vodca e catuaba, fazem aposta de corrida no local. O ronco dos
motores e o som alto dos carros são ouvidos de longe.
Infração gravíssima
Segundo o Código Brasileiro de Trânsito, promover corridas ilegais, participar de rachas ou realizar manobras perigosas é considerado infração gravíssima. A multa, nesses casos, é multiplicada por 10, alcançando R$ 2.934. Em caso de reincidência, a quantia dobra, passando a R$ 5.868. O motorista ainda tem suspenso o direito de dirigir e o carro é recolhido.
Segundo o Código Brasileiro de Trânsito, promover corridas ilegais, participar de rachas ou realizar manobras perigosas é considerado infração gravíssima. A multa, nesses casos, é multiplicada por 10, alcançando R$ 2.934. Em caso de reincidência, a quantia dobra, passando a R$ 5.868. O motorista ainda tem suspenso o direito de dirigir e o carro é recolhido.
O Código também determina que quem
participar de corridas ilegais em vias públicas responderá na esfera criminal.
É prevista pena de seis meses a três anos de detenção, além de multa e
suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir.
Em casos de lesões corporais causadas em decorrência de corridas ilegais,
rachas ou manobras perigosas, a pena de detenção sobe para três a seis anos.
Caso ocorram mortes, os participantes podem ficar reclusos de cinco a 10 anos.
E
assim, Rômulo e Genesi tentam viver dia após dia.
Com informações de Correio Braziliense e METRÓPOLES.COM