O Genocídio Armênio(em comparação, ao que o Estado Islâmico faz hoje é uma gota no oceano)
José Atento
EM 24 de abril de 2015, marcou-se o centenário do Genocídio Armênio, no qual um número estimado de 1,5 milhões de armênios perderam as suas vidas, numa ação de extermínio perpetrado pelo Império Otomano. Na data de hoje em 1915, conhecida como Domingo Vermelho, trezentos intelectuais, políticos, escritores, religiosos e profissionais armênios foram aprisionados em Constantinopla e levados à força para o interior da Turquia e selvagemente assassinados. A partir desta data, o extermínio dos armênios foi feito em escala industrial.
O genocídio foi realizada durante e após a Primeira Guerra Mundial e implementado em duas fases: a matança generalizada da população masculina através de massacre e sujeição de recrutas do Exército para o trabalho forçado, seguida pela deportação de mulheres, crianças, idosos e enfermos em marchas da morte, nas quais eles foram forçados a caminhar pelo deserto sírio até a morte. Impulsionada por escoltas militares, os deportados das marchas da morte foram privados de comida e água e submetidos a
roubo periódico, estupro e massacre.
O termo genocídio foi cunhado por Raphael Lemkin, em 1943, baseado no que ocorreu com os armênios.
Outros grupos étnicos indígenas e cristãos, como os assírios e os gregos otomanos foram igualmente exterminados pelo governo otomano, e seu tratamento é considerado por muitos historiadores como parte da mesma política genocida. A maioria das comunidades armênias da diáspora em todo o mundo são uma consequência direta deste genocídio.
A Turquia, o país sucessor do Império Otomano, se recusa a reconhecer o genocídio. Isso é sério. Aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo. Aqueles que negam o passado, irão repeti-lo.
O que o Estado Islâmico (e Boko Haram, Al Shabab, etc.) faz hoje é coisa de criança perto do que os turcos fizeram 100 anos atrás! Em ambos os casos, inspirados pelas ações de Maomé.
Leia o texto e assista o vídeo! Existem mais vídeos no final do artigo.
A Armênia foi o primeiro reino cristão da história (ano 301), e ocupou o leste da atual Turquia, norte da Síria e a atual Armênia propriamente dita. Foi sistematicamente assolada pela primeira jihad islâmica pelos árabes, e mais tarde acabou conquistada pelos turcos seljúcidas, ficando sob o jugo do Império Otomano até o colapso deste.
Os Armênios viveram como cidadãos de segunda-classe (dhimmi) conforme determina a lei islâmica Sharia, inclusive sujeitos ao devshirme.
Mas, por constituirem uma grande parte da população eles conseguiam formar grandes comunidades agrupadas na Armênia histórica, ao leste, e em torno de Constantinopla e Ankara.
Posição relativa da Armênia Histórica e da atual República da Armênia
O eminente colapso do Império Otomano, no final do século XIX, levou a um aumento da pressão sobre os armênios, e massacres começaram a se tornar mais frequentes, como os massacres promovidos pelo Sultão Hamid II, entre 1894-1896 (resultando em 100 mil mortos). Esses eventos ocorreram usando-se subterfúgios tais como "guerra contra os infiéis" (não muçulmanos).
Corpos de armênios massacrados em Ezurum
O Império Otomano estava perdendo a maior parte do território ocupado durante a sua Jihad contra a Europa, e povos e nações que existiam antes desta ocupação estavam re-conquistando a sua independência, tais como Grécia, Bulgária e Sérbia. O outrora poderoso exército otomano não era páreo contra os europeus tecnológicamente superiores. Muitos no império decadente viam isso como um "castigo divino de Alá para uma sociedade que não sabia como se recompor."
Mas vejam bem, apenas os armênios ainda não tinham reconquistado a sua independência. E os turcos iriam fazer de tudo para impedir isso de acontecer.
Nesta época, mais especificamente em 1908, surgem os movimentos nacionalistas turcos, mais notadamente os Jovens Turcos, compostos por jovens oficiais do exército turco, que forçaram o Sultão a implantar um governo constitucional.
Assista ao documentário sobre o Genocídio dos Armênios.
Audio em inglês com legendas em Português
Em 1913, três dos Jovens Turcos tomam o poder em um golpe e estabelecem um triunvirato. Eles eram Mehmed Talaat, Ismail Enver e Ahmed Djemal. Eles sonhavam em unificar todos os povos turcos, expandindo as fronteiras da Turquia para o leste através do Cáucaso até a Ásia Central. Isso criaria um novo império turco, uma "terra grande e eterna" chamada Turan, com uma única língua e uma única religião, o islão.
Porém, havia um problema. Na verdade, 2 milhões de problemas. Esse era o tamanho a população armena que vivia na sua terra histórica e tradicional, bem no caminho do sonho dos Jovens Turcos de expansão para o leste. Este novo império teria que vir à custa do povo armênio.
Aliado a este recém-criado nacionalismo turco, veio o aumento dramático na agitação fundamentalista islâmica em toda a Turquia. Os armênios cristãos foram encravados com a marca de infiéis (não-crentes no Islão). Extremistas islâmicos, jovens, idealistas e radicalizados pelas madrassas, lançaram-se à violência e organizaram manifestações anti-armenas. Durante um tal surto em 1909, duzentas aldeias foram saqueadas e mais de 30 mil pessoas massacradas no distrito da Cilícia, na costa do Mediterrâneo. Ao longo da Turquia, ataques locais esporádicos contra armênios continuaram sem controle ao longo dos próximos anos.
O que restou o bairro cristão de Adana, na Cilícia
Algo que também merece menção é o fato que os armênios tinham um nível maior de educação escolaridade que os turcos, fato que ajudou na propaganda que os Jovens Turcos fizeram ao enaltecerem a característica mais simples dos camponeses turcos.
Em 1914 irrompe a Primeira Guerra Mundial e os Jovens Turcos decidem se alinhar a Alemanha e a Áustria. O governo turco decide desarmar toda a população armena. Naquele instante, haviam 40 mil soldados armênios no exército turco, e eles foram igualmente desarmados. Eles foram colocados em batalhões de construção de estradas, em condições de trabalho escravo, ou foram usados como animais de carga humanos. Como as condições de trabalho eram brutais a quantidade de mortes era muito elevada. Aqueles que sobreviveram foram fuzilados. Pois havia chegado a hora de avançar contra os armênios.
Em termos formais, a ordem para eliminar a população armena veio do triunvirato que governava a Turquia. As ordens de extermínio foram transmitidos em telegramas codificados para todos os governadores provinciais em toda a Turquia. Prisões começam na noite de 24 de abril de 1915, com 300 líderes políticos armênios, educadores, escritores, clero e dignitários em Constantinopla (atual Istambul) sendo retirados de suas casas, encarcerados e torturados brevemente, para em seguida, serem enforcados ou fuzilados.
O Genocídio havia começado.
Em termos islâmicos, a Jihad contra os infiéis e inimigos do islão foi convocada pelo Xeique ul Islam, o líder espiritual de todos os muçulmanos sunitas. Lembre-se, Constantinopla era a sede do Califado Islâmico, de modo que existia autoridade para se convocar uma Jihad.
Xeique Islam convocando a Jihad
O que seguiu é uma expressão daquilo que mais baixo seres humanos podem ser. E durante um período de 3 anos seguidos.
Execuções em massa:
- Prisão em massa de armênios em toda a Turquia, levadas à cabo por soldados, políciais e voluntários turcos. Eles seriam levados para os arredores das cidades e mortos por fuzilamento, baionetas ou à facadas, e enterrados em covas comuns, ou simplesmentes largados à ceu aberto ou queimados.
Cristãos armênios sendo levados à morte por turcos muçulmanos
Marchas da morte:
- As mulheres, crianças e velhos foram obrigados a pegarem seus pertences sob o pretexto que seriam re-alocados para uma zona não-militar para a sua proteção. Na verdade, eles foram levados para marchas da morte na direção do deserto sírio.
- As marchas da morte levariam meses, e passavam por montanhas e áreas desertas de modo a não se ter contato com vilas.
- Os suprimentos de água e comida terminavam e não eram repostos. Quem parasse para descançar ou ficasse para trás apanhava até que ela voltasse para a marcha, senão era morta a tiros.
- Uma prática comum era despir os armênios e forçá-los a andar nús sob o sol escorchante até que eles caissem mortos por exaustão ou desidratação.
- Os guardas que acompanhavam as caravanas organizavam com bandidos locais, turcos e curdos, o assalto das mesmas, de modo a se apropriarem dos bens que ainda eram carregados pelos armênios, e matarem quem eles desejavam.
- Estima-se que 75 por cento dos armênios nestas marchas pereceram, especialmente as crianças e os idosos. Aqueles que sobreviveram ao calvário foram levados para o deserto, sem uma gota de água. Sendo jogados de penhascos, queimados vivos, ou afogadas em rios.
- E os teimosos que insitiam em viver foram internados nos campos de extermínio, os mais notórios estavam no Deserto de Deir er-Zor, na Síria. Estima-se que 300 mil armênios foram mortos nestes campos (mas as mulheres mais bonitas eram vendidas para os beduínos árabes ). Para os armênios, Deir er-Zor é sinônimo de Auschwitz. (Ainda hoje, cavando-se um um simples buraco com as mãos, recupera-se ossos dos armenos, tamanha foi a quantidade dos mortos.)
Deserto de Deir er-Zor
Distribuição da população armênia em 1915, e localização dos campos de extermínio
Estupro e escravidão sexual:
- Durante as marchas da morte, uma quantidade extraordinária de abuso sexual e estupro de meninas e mulheres jovens ocorreu nas mãos dos guardas e bandidos curdos. A maioria dos mulhers jovens mais atraentes foram sequestradas e forçadas a uma vida de servidão involuntária.
Mulher armênia à mostra no mercado de escravos (Fonte: NY Times)
Roubo da propriedade dos armênios:
- As propriedades dos armênios expulsos de suas casas foram apropriadas pelos turcos, e símbolos ou monumentos destruídos ou usados para outros propósitos (por exemplo, lápides de túmulos usadas como degrau de escadas para que os armênios fossem pisados continuamente).
- Em alguns casos, crianças foram separadas das suas famílias armenas, forçadas a renunciarem ao cristianismo e convertidas à força ao islamismo. Elas receberam nomes turcos.
Onde entra Maomé nisso? Existem uma série de ações que são permitidas em uma Jihad contra os infiéis, e Maomé praticou todas elas. Elas incluem roubar propriedade, vender como escravo, estuprar, tomar mulheres como escravas sexuais, executar prisioneiros, enterrar em valas comuns, torturar para obter informação, e banir para o deserto. Quando o líder espiritual muçulmano ul Islam convocou a Jihad, ele abriu uma Caixa de Pandora.
Durante o genocídio armênio, a paisagem turca ficou repleta de corpos em decomposição. Em um ponto, Mehmed Talaat reagiu ao problema enviando uma mensagem codificada para todos os líderes provinciais: "Fui informado que em determinadas áreas cadáveres insepultos ainda estão para serem vistos. Peço-vos a dar as instruções rigorosas para que os cadáveres e os seus detritos em seus vilarejos sejam enterrados."
Mas as suas instruções foram geralmente ignoradas. Os envolvidos no assassinato em massa mostraram pouco interesse em parar para cavar sepulturas. Os cadáveres à beira da estrada e os deportados emagrecidos eram uma visão chocante para os estrangeiros que trabalhavam na Turquia. Testemunhas incluiram alemãos ligados ao governo turco, missionários americanos e diplomatas norte-americanos estacionados no país. Parte do que nós sabemos deve-se ao seu testemunho.
E o resto do mundo sabia disso?
O mundo sabia o que estava acontecendo, mas estava envolvo em uma grande guerra. O Império Otomano estava aliado a Alemanha e Áustria que eram antagônicos a Inglaterra, França e Rússia (e mais tarde os EUA), de modo que declarações por parte destes últimos não iriam surtir efeito, e os primeiros não iriam se meter em "assuntos internos" de um aliado. Mesmo assim, existem declarações oficiais de governos daquela época.
Ainda neutro na guerra, o Embaixador dos EUA na Turquia, Henry Morgenthau, informou a Washington: "Quando as autoridades turcas deram as ordens para essas deportações, eles estavam apenas dando a sentença de morte para toda uma raça". Os aliados (Grã-Bretanha, França, Rússia) reagiram a notícia dos massacres emitindo uma advertência à Turquia dizendo que iriam responsabilizar todos os membros do Governo Otomano, assim como seus agentes.
Jornais chegaram a noticiar o que estava acontecendo.
Jornal The New York Times, 15 de dezembro de 1915
Poderia ter sido pior
É incrível pensar que a tragédia poderia ter sido pior. Explico. A Rússia estava batalhando com a Turquia na região do Cáucaso e havia penetrado em parte do território turco. Eles lutavam na terra ancecestral dos armênios. Mas veio a revolução comunista na Rússia, em novembro de 1917, e os russos se retiraram, deixando o campo aberto para os turcos avançarem e para concluirem o genocídio, bem como conquistarem mais território para o Leste (que era o objetivo inicial dos Jovens Turcos). Em maio de 1918, o exército turco começou seu avanço matando 100 mil armênios. Em desespero, os armênios conseguiram armas e resistiram ao avanço turco. Os armênios lutaram pela sua sobrevivência na localidade de Sardarabad (atual Armavir), conseguindo repelir os turcos. Este evento histórico é conhecido como a Batalha de Sardarabad. O que restou da população armena foi salva! Nas palavras do historiador Christopher J. Walker, caso os armênios tivessem perdido essa batalha "é perfeitamente possível que a palavra Armênia fosse hoje apenas usada para indicar um termo geográfico antigo." Esta batalha permitiu o estabelecimento da República da Armênia.
Reações após a guerra e a justiça negada
No apagar das luzes da Primeira Guerra Mundial, que terminou em novembro de 1918, o triunvirato dos Jovens Turcos, Talaat, Enver e Djemal, renunciou abruptamente seus cargos no governo e fugiu para a Alemanha, onde tinha sido oferecido asilo. Nos meses seguintes, a Alemanha se recusou a enviar os Jovens Turcos de volta para casa para serem julgados. Eles acabaram assassinados por ativistas armênios.
Mehmed Talaat, Ismail Enver e Ahmed Djemal: os artífices do Genocídio Armênio
Durante a Conferência de Paz de Paris, o presidente dos EUA tomou um interesse particular pela causa armênia, e como resultado dos seus esforços, o Tratado de Sevres (10 de agosto de 1920) reconheceu um estado armênio independente numa área que abrangia grande parte da antiga pátria histórica. No entanto, o nacionalismo turco não aceitou isso. Os líderes turcos moderados que assinaram o tratado foram expulsos em favor de um novo líder nacionalista, Mustafa Kemal, que não apenas se recusou a aceitar o tratado. Ele ocupou as terras em questão, para em seguida expulsar qualquer sobrevivente armênios, incluindo milhares de órfãos.
Ninguém veio em auxílio da República da Armênia e ela entrou em colapso. Apenas uma pequena parte da área oriental da Armênia histórica sobreviveu ao ser anexada à União Soviética pelo Exército Vermelho. Os armenos não puderam resistir os ataques simultêneos da Turquia e da URSS e acabou particionada, tendo apenas uma pequena parte do seu território histórico se tornado uma república soviética.
Para piorar, os turcos começaram uma campanha de destruição e negação de quaisquer vestígios do património cultural armênio, incluindo obras-primas de valor inestimável de arquitetura antiga, bibliotecas e arquivos antigos. Os turcos ainda arrasaram cidades inteiras, como a outrora próspera Kharpert, Van e antiga capital de Ani, para remover todos os vestígios dos três mil anos da civilização armênia.
Não é exatamente isso que o Estado Islâmico faz hoje em dia ao destruir a história assíria e babilônica?
Um jovem político alemão, Adolf Hitler, observou a reação tímida das grandes potências do mundo para a situação dos armênios. Depois de obter poder total na Alemanha, Hitler decidiu conquistar a Polônia em 1939 e disse a seus generais: "Assim, por enquanto, eu tenho enviado para o Oriente apenas as minhas 'Unidades Avançadas da Morte' com as ordens para matar sem dó nem piedade todos os homens, mulheres e crianças de raça ou língua polaca. Só desta maneira iremos ganhar o espaço vital de que precisamos. Quem ainda hoje em dia fala sobre os armênios?"
Hitler e Erdogan (presidente da Turquia)
Até hoje, a Turquia se nega a reconhecer os seus atos bárbaros. Mas, considerando que eles foram feitos atendendo ao chamado a uma Jihad, isso não é de se estranhar, pois foi tudo dentro do que estabelece a lei islâmica.
Lembre-se o que o presidente turco Erdogan disse em 2009, referindo-se ao mandato de prisão emitido pela Corte Internacional de Justiça contra o presidente do Sudão al-Bashir, devido ao Genocídio em Darfur. Erdogan disse: "Nenhum muçulmano poderia perpetrar um genocídio." (Asbarez)
A propósito, em 2005 a Turquia baniu qualquer referência ao genocídio armênio. Mencionar o genocído armênio na Turquia é crime (Telegraph).
Deixei para o fim algumas fotos mais chocantes que ilustram o genocídio, traçando um paralelo com o que está acontecendo hoje. Ou seja, a única diferença entre o Genocídio dos Armênios pelos turcos e as barbaridades promovidas pelos jihadistas do Estado Islâmico é a escala. Ambos são movidos pelos mesmos ideais de Jihad!
O restante do artigo contém fotos, lista de referências, e alguns outros vídeos (em inglês).
Expulsar populações inteiras para o deserto
Crucificação ... o Estado Islâmico faz o mesmo
Existiram campos de extermínio em Der-es-sor (grafia mais correta seria Deir ez-Zor), na Síria. Esta é uma imagem do filme "Armênia Violentada - Leilão das Almas" (veja-o abaixo), e mostra mulheres armenas sendo crucificadas. Uma delas está sendo "salva da cruz", tornando-se escrava de um beduíno. Os turcos venderam muitas mulheres armênias para os mercados de escravos.
A legenda na foto diz: "armênias crucificadas dentro da região em torno de Der-es-sor. Algumas mulheres foram salvas pelo fato de que - na foto como aqui - beduínos árabes as levaram de volta à Cruz."
Degolamentos ... o Estado Islâmico (e a Arábia Saudita) fazem o mesmo
Enforcamento ... e Estado Islâmico (e Arábia Saudita, e Irã) faz o mesmo
Execuções em massa
Referências:
Akçam, Taner (2006). A Shameful Act: The Armenian Genocide and the Question of Turkish Responsibility. New York: Metropolitan Books. ISBN 0-8050-7932-7.
Balakian, Grigoris (2009). Armenian Golgotha, A Memoir of the Armenian Genocide, 1915-1918. Translated from the Armenian by Peter Balakian. New York: Vintage Books. ISBN 978-1-4000-9677-0.
Armenian Genocide. United Human Rights Council. Retrieved April 24, 2015.
Uma lista com outros vídeos
Infelizmente, sem legendas em português (se alguém souber de algum destes documentários, ou outros, com legendas me avise por favor)
(1) Documentário da PBS, EUA - muito boa apresentação que segue uma narrativa histórica, com causas e consequências: https://vimeo.com/19586714
(2) Documentário "1915 AGHET" que enfoca bastante a negação do Genocídio pelo governo e povo turco.
(3) "Ravished Armenia - Auction of Souls" (Armênia Violentada - Leilão das Almas) foi um filme mudo feito em 1919, em Hollywood, basead no livro de uma sobrevivente do Genocídio. O filme foi perdido, mas um segmento de 20 minutos pode ser recuperado.
(2) Segmento do programa da TV americana "60 Minutes" de 2013. "os restos mortais dos armênios são tantos na área que tudo o que você precisa fazer é cavar a areia com as próprias mãos e você encontra pedaços de ossos humanos que estão lá por 98 anos."
(5) Resgatando mulheres armênias no Deserto de der Zor
(6) Testemunho de quem sofreu
http://infielatento.blogspot.com.br/2015/04/o-genocidio-armeno-texto-e-video.html
Atualização
Existem 2,5 milhões de armênios muçulmanos na Turquia de hoje. Estes armênios são descendentes dos armênios que acabaram se convertendo para o islamismo para evitarem a morte. Outros, são descendentes de crianças armênias que foram separadas dos seus pais e acabaram sendo criadas como muçulmanas por famílias turcas. (asekose)
Soldados turcos diante de corpos de armênios vítimas do genocídio no Império Turco-Otomano-
Na madrugada de 24 de abril de 1915, no Império Turco-Otamano, começara a perseguição aos armênios, promovida pelo alto comando político-militar do imperialismo turco, tendo à frente a entidade ultranacionalista Jovens Turcos, cuja bandeira era o panturquismo, que tomara o poder central em 1908. A justificativa da perseguição era a de resgatar a “pureza” no território turco e proteção das fronteiras em virtude da Guerra Mundial, em especial na península da Anatólia, na Ásia Menor, habitada, há séculos, por turcos, gregos, curdos e armênios, e que fazia fronteira com o Império Russo. Porém, o povo armênio foi o principal alvo das investidas policiais, acusado de ajudar os russos e, a partir da prisão de 250 intelectuais e líderes armênios em Constantinopla[2], deportações e execuções em massa assassinaram 1,4 milhão de armênios em poucos meses, isto é, 2/3 de todo o povo armênio, sendo que, até hoje, o governo turco permanece impune e praticando violência contra outra minoria, a curda.
Os armênios habitavam o leste da península da Anatólia, em 1915, sob o controle turco e russo, desde antes da era cristã. Surge no séc. VI a.C. suas língua e escrita próprias, utilizadas até hoje, e promovem a elevação do povo armênio à condição de nação. Em 301, tornam-se o primeiro país a adotar o cristianismo como religião oficial, criando-se, a partir de então, a Igreja Apostólica Armênia, a qual é um elemento fundamental na unificação do povo. Porém, os armênios sofrem inúmeras investidas militares de seus vizinhos ao longo do tempo, por sua posição estratégica (entre Europa e Ásia) e por estar em local sagrado, segundo a Bíblia (a cadeia montanhosa do Cáucaso se estende por todo o seu território e atinge o ponto mais alto no monte Ararat, onde a Arca de Noé repousou no fim do dilúvio, local reverenciado por judeus, muçulmanos e cristãos). A Pérsia[3] é o primeiro Estado a intervir, sob o pretexto de combater o avanço da fé cristã, e conquistar parte do território armênio. É, depois, disputada e dividida entre vários impérios: Árabe e Bizantino, Otomano e Persa, Russo e Otomano, porém, por conta de sua forte coesão cultural e religiosa, mantém a maioria de suas características sociais e manifestações populares.
O Império Turco-Otomano surge na baixa Idade Média, e seu nome deriva de Otman I, que reina de 1281 a 1326, com um território que se estende do Rio Indo ao Mar Mediterrâneo. Em 1453, Constantinopla, sede do Império Romano do Oriente, ou Bizantino, é conquistada pelos turcos, e torna-se capital do mundo islâmico e símbolo do poder otomano. Sua queda simboliza o fim do período medieval e início da modernidade. Os turco-otomanos, já em 1520, sob o reinado de Solimão I, chegam às portas de Viena, na Áustria, e passam a controlar grandes áreas, subjugando diversos povos aos seus interesses, a exemplo dos gregos, sérvios e albaneses, na Europa, e dos curdos, árabes e armênios, na Ásia Menor e Oriente Médio. A partir de 1700, tem início a decadência do império, e as repressões às minorias geram guerras, como a da Grécia (1821-1822), da Sérvia (1878) e balcânica (1913), e massacres horrendos, como o genocídio armênio de 1915 a 1923, o qual é comparável ao holocausto promovido pelos fascistas contra o povo judeu.
Na véspera do início do séc. XX são registrados atos de violência, desencadeados por autoridades turcas, em Constantinopla, no ano de 1895. Manifestantes que exigiam melhores condições de vida foram reprimidos pela polícia, morrendo dezenas de armênios. Ao longo dos anos, novos atos de saque a aldeias armênias são registrados, até a chegada da corrente Jovens Turcos, em 1908, ao poder, quando as perseguições tomam grandes proporções. Em novembro de 1914, os turcos entram na Guerra Mundial ao lado da Tríplice Aliança (Impérios Alemão e Austro-Húngaro), contra a Tríplice Entente (Impérios Inglês, Francês e Russo). Portos russos no mar Negro são bombardeados em 28 de outubro de 1914, e os armênios que vivem na Rússia lançam-se na guerra contra os turco-otomanos. A primeira batalha entre os dois impérios, a de Sarikamish, leva à vitória os russos, que passam a ocupar parte do território nativo armênio, ao leste da Turquia. A partir desse momento, Mehmed Talaat Pasha, líder do governo, idealiza as linhas gerais da sangrenta repressão aos armênios que vivem no Império Otomano, acusados de apoiar o governo russo, e ordena a entrega de armas e desmobilização geral dos armênios a serviço das forças armadas turcas, em 25 de fevereiro de 1915.
As prisões sumárias de 24 e 25 de abril de 1915, em Constantinopla (conhecidas como Domingo Vermelho), são os resultados preliminares de um extenso trabalho de propaganda e logística, justificadas, segundo um oficial naval turco, com as seguintes palavras: “os armênios estão conspirando com o inimigo. Eles vão começar uma revolta em Constantinopla, matar os líderes do Comitê União e Progresso (CUP) e abrirão os estreitos (de Dardanellos e de Bósforo).” A partir de então novas investidas dos militares turcos e das instituições políticas obrigam centenas de milhares de armênios a deixarem suas casas e partirem para o desarmado “Batalhão Trabalhista”. Os soldados e os habitantes armênios são convencidos a abandonar armas e vilas sob o pretexto de uma possível paz entre o governo turco e as autoridades armênias do lado russo. Entretanto, a censura postal e a prisão de opositores são os sinais não de uma tentativa de conciliação, e sim de um elaborado esquema de deportação em massa do povo armênio da península da Anatólia em direção ao remoto deserto da Mesopotâmia[4], conhecida como “marchas mortais”, fruto da Lei Temporária de Deportação (“Lei Tehcir”), redigida pelo vizir Said Halim Pasha e aprovado pelo CUP em 29 de maio de 1915. A lei concedia ao governo turco-otomano e aos militares autorizações especiais para deportação e cerceamento de liberdade contra qualquer indivíduo considerado nocivo à segurança nacional. Os armênios, habitantes do Império Turco-Otomano, são enquadrados na Lei Tehcir e é sistematizada a repressão em todas as províncias do império.
Mesmo com a forte censura do governo sobre a imprensa, as notícias sobre o massacre contra os armênios ganham visibilidade em vários países, em especial na Armênia russa e nos EUA. Os cônsules são os primeiros a denunciar aos seus governos a intensa repressão, porém logo são expulsos. Jornalistas levam as informações até vários veículos, em especial o The New York Times, relatando as falsas promessas de “recolocação” dos armênios em uma zona de exclusão bélica, e o presidente Theodore Roosevelt caracterizou o massacre como “o mais importante crime de guerra”. Contudo, a ampliação das denúncias ocorreu somente no fim da guerra, e o saldo de armênios assassinados ultrapassava um milhão, a maioria durante as deportações a pé pelo deserto, vítimas dos ataques de milícias turcas e inanição. O Império Turco-Otomano assinou o armistício com a Entente em 30 de outubro de 1918, sendo desmembrado para o despojo de guerra de Inglaterra e França. Os três paxás que planejaram a repressão sangrenta fogem do país. Com a assinatura do Tratado, a Península da Anatólia e Constantinopla permaneceram sem nenhuma interferência exterior necessária para análise das violações contra as nacionalidades minoritárias e crimes de guerra contra a população civil. O próprio parlamento turco exige averiguações sobre o massacre, porém o governo assume postura conciliadora e julga poucas autoridades relacionadas com o genocídio, instaurando uma corte marcial. Acredita-se que houve em torno de 25 grandes campos de concentração sob o comando de Sukru Kaya, nomeado por Talaat Pasha, o qual proferiu a mensagem: “os armênios perderam o direito à vida no Império Turco-Otomano”. Destacaram-se os campos Lale, Tefridje, Dipsi, Del-El e Ra’s al-‘Alin, ao longo da atual fonteira entre Turquia, Síria e Iraque, criados exclusivamente para a recepção e extermínio de armênios.
Em 05 de fevereiro de 1920 retornam as matanças com o massacre de dez mil armênios em Marash. Em 18 de janeiro de 1921 o governo turco cancela a corte marcial e várias autoridades responsáveis pelos massacres são reabilitadas na vida pública, incluindo os paxás exilados após a guerra. Em 09 de setembro de 1922 a Turquia entra em guerra contra a Grécia, e a cidade de Smyrna é atacada por tropas muçulmanas, sendo assassinados milhares de gregos e armênios. Em 24 de julho de 1923, no Tratado de Lausanne, a Turquia reconhece a independência das antigas nações do império e se compromete a respeitar suas minorias, porém mantém sob sua posse a Armênia turca, não autorizando sua unificação com a Armênia Soviética. Nesse ato a Turquia acaba oficialmente com as perseguições e repressões contra os armênios, entretanto, dos 2,1 milhões de armênios que viviam em territórios turcos, 1,4 milhão tombou no genocídio, 400 mil se refugiaram na Armênia caucasiana e mais de 300 mil emigraram forçadamente a outros países, como o Brasil. A cidade de Osasco, na grande São Paulo, recebeu milhares de imigrantes armênios, e hoje possui um grande número de descendentes que mantêm viva a memória das vítimas do genocídio.
A Turquia permaneceu impune, desde o fim da Primeira Grande Guerra até hoje, tendo os principais responsáveis pelo genocídio vivido o resto de suas vidas no conforto de suas riquezas roubadas do povo armênio. Não nega que morreram milhares de armênios no Império Turco-Otomano, porém apresenta os fatos como “efeitos colaterais da guerra”, e, indo mais longe, seus legisladores e governantes promulgaram, no código penal, o artigo 301, o qual considera ato criminoso denegrir o governo turco e suas instituições, isto é, qualquer pessoa, como um descendente de armênios vitimados durante os massacres, em território turco, pode ser condenado se denunciar a impunidade das autoridades turcas em relação ao genocídio do povo armênio. O governo turco, membro da terrorista Otan, com o segundo maior exército da organização, mantém vigente um grande aparato repressivo contra uma minoria nacional de seu país, os curdos, e sua principal organização política, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão[5]), é considerado terrorista, posto na ilegalidade e reprimido violentamente.
A resistência armada curda inicia-se em 1984 sob a liderança de Abdullah Ocalan. As forças armadas turcas já violaram dezenas de vezes a soberania de seus vizinhos Síria e Iraque para bombardear aldeias e cidades curdas nesses territórios. Atualmente os curdos resistem heroicamente na cidade síria de Kobane, lutando contra as forças pró-imperialistas do Estado Islâmico (terroristas treinados pelo Mossad de Israel e financiados pelos sheiks sauditas), sem nenhum apoio turco, mesmo a cidade estando localizada a apenas alguns poucos quilômetros da fronteira com a Turquia. Os genocídios, massacres e perseguições são o resultado de uma política nacionalista-burguesa, que, em momentos de crise econômica e guerras, age de maneira deliberada ao jogar uma nação contra outra, mesmo dentro de seu próprio país, sob o pretexto de resgatar a “pureza” da nação e combater os “invasores”. A Turquia só permanece impune porque segue à risca os ditames do imperialismo, contribuiu nas invasões ao Afeganistão e Iraque pelo EUA e protege os interesses desse país e de Israel no Oriente Médio, o qual massacra o povo palestino. Somente um amplo movimento popular, guiado pelo internacionalismo proletário, será capaz de romper com a impunidade e com as guerras e garantir a paz e o respeito mútuo entre as nações. O genocídio armênio é um símbolo da podridão do imperialismo e prelúdio do seu desmoronamento, a ser alcançado após a conquista de verdadeiras democracias populares no Oriente Médio e demais continentes.
Matheus Nascimento, estudante de Psicologia da UFPA e militante do PCR
Notas
1 Panturquismo e Pan-islamismo: ideologia política das altas camadas sociais turcas, tártaras, etc. (dos cãs, dos mulás, dos latifundiários, dos comerciantes, etc.), que aspira a unificar todos os povos que professam a religião do Islã (religião muçulmana). O pan-islamismo é afim do panturquismo, que pretende unificar os povos muçulmanos e territórios da Ásia Menor sob o poder dos turcos. (J. Stálin, O Marxismo e o Problema Nacional e Colonial, pág. 395, Ed. Vitória Ltda, RJ – 1946).
2 Constantinopla: atual Istambul, na Turquia, e antiga Bizâncio, nos primórdios do Império Romano.
3 Pérsia: termo instituído pelos gregos antigos e correspondente ao atual Irã, localizada no Oriente Médio.
4 Deserto da Mesopotâmia: noroeste e norte dos atuais Iraque e Síria.
5 Curdistão: Os curdos lutam pela criação do Estado do Curdistão, o qual abrangeria territórios da Síria, Iraque, Irã e Turquia. Com uma população estimada em 25 milhões de habitantes, a comunidade curda é maior nação do mundo sem um país delimitado. Na Turquia encontra-se o maior número de curdos, ultrapassando a marca dos dez milhões de habitantes, à sudeste da península da Anatólia.
Reconhecimento do massacre e atual limpeza étnica em Kessab são chave para entender esse povo tão peculiar
“Eu gostaria de ver qualquer força deste mundo destruir esta raça, esta pequena tribo de pessoas sem importância, cujas guerras foram todas lutadas e perdidas, cujas estruturas foram todas destruídas, cuja literatura não foi lida, a música não foi ouvida, e as preces já não são mais atendidas. Vá em frente, destrua a Armênia. Veja se consegue. Mande-os para o deserto sem pão ou água. Queimem suas casas e igrejas. Daí veja se eles não vão rir, cantar e rezar novamente! Quando dois armênios se encontrarem novamente em qualquer lugar neste mundo, veja se eles não vão criar uma nova Armênia", escreveu em 1935 o autor norte-americano de origem armênia William Saroyan.
Sobre todas essas desgraças, o escritor se refere principalmente ao primeiro genocídio do século XX, praticado pelos turcos contra os armênios há exatamente 99 anos. Mas o que faz o extermínio desta “pequena tribo de pessoas sem importância” algo digno de se lembrar? Geralmente, o ato de recordação de um massacre vem da necessidade de honrar seus mortos e manter latentes os acontecimentos para que estes não se repitam. Contudo, esse não é o caso dos armênios.
Em primeiro lugar, porque não enterramos nossos mortos. Em outras palavras, não realizamos nosso funeral, pois essa cerimônia só se completaria se tivéssemos a plena certeza de que a humanidade e, principalmente, os turcos compareceriam a ela. No entanto, para isso, é preciso dar um passo a mais. É necessário deixar de lado as amarras que prendem 100 anos de negacionismo e reconhecer os crimes cometidos desde o dia 24 de abril de 1915.
Patrícia Dichtchekenian/ Opera Mundi
Monte Ararat é um dos principais símbolos da cultura armênia, mas atualmente está localizado em território anexado pelos turcos
A busca pelo reconhecimento do genocídio é a principal luta da comunidade armênia internacional, isto é, dos filhos, netos e bisnetos da diáspora que espalhou 800 mil armênios ao redor do mundo. Curiosamente ontem, o atual primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, reconheceu a “desumanidade” da tragédia de 1915 – algo inédito para um chefe de Estado turco. A partir de uma linguagem mais conciliatória do que os antigos líderes na abordagem do tema, Erdogan também surpreendeu tendo em vista sua postura conservadora, exemplificada nas constantes investidas em restrições de liberdade de expressão, com o bloqueio de redes sociais no país.
Mas isso não é suficiente. Erdogan, em seu comunicado, não usou em nenhum momento a palavra “genocídio” e o desleixo não foi por acaso. Na verdade, a recusa do termo reflete-se no fato de que o genocídio se insere no grupo de crimes contra humanidade, que tem um tratamento muito mais severo do que assassinatos isolados, conforme tratados internacionais. Entende-se que houve uma tentativa de eliminação de um grupo a partir de exigências raciais e étnicas. A isto, soma-se o fato de que a negação da Turquia freia a sua entrada à União Europeia, pois pressupõe uma recusa em assumir respeito aos direitos humanos.
Contudo, há outra questão em jogo: além da necessidade de enterrarmos – com dignidade – nossos mortos a partir do reconhecimento do massacre, é preciso também afastar com todas as forças o fantasma do genocídio e fazer com que ele não se repita.
[Cartaz com a frase "O livro como testemunha do genocídio", no museu do Genocídio de Yerevan]
Novamente, não é o caso dos armênios. Atualmente, a cidade síria de Kessab, na fronteira com a Turquia, tem sido palco de uma verdadeira limpeza étnica de armênios.
Com população predominantemente armênia há séculos, Kessab foi brutalmente atacada por militantes extremistas da Turquia ligados a Al-Qaeda no último 21 de março. Para fugir das investidas de cunho étnico e religioso (vale ressaltar que armênios são cristãos), a população local se concentrou em um refúgio em Latakia, a cerca de 50 quilômetros de lá.
Na medida em que o temor de um novo genocídio se aproxima, nos indagamos: será possível continuar a “criar” uma nova Armênia, tal como pressupunha Saroyan? A história diz que sim.
A complexa e triste trajetória
Para entender o contexto histórico do genocídio é preciso ter em mente que o massacre de armênios remonta a um período anterior. Entre os anos de 1894 e 1896, o sultão turco Abdul Hamid II iniciou o extermínio de 300 mil armênios que viviam na porção Ocidental do país, anexada pelos turcos durante o Império Otomano.
Contudo, em 1908, o cenário político turco sofreu profundas transformações: O Comitê da União e Progresso, liderado pelos Jovens Turcos, destronou o sultão, proclamando governo constitucional e igualdade dos direitos civis para todos os cidadãos otomanos. Essa mudança radical deu ao povo armênio uma nova esperança.No entanto, em menos de um ano, novos assassinatos voltaram a ocorrer. De fato, a proposta dos novos chefes da administração ia além da política Hamidiana: o projeto do Pan-turquismo tinha o intuito de implementar no país a aceitação apenas de turco-descendentes, apelando para um discurso de raças semelhante ao que seria utilizado no massacre de judeus anos depois.
A este panorama soma-se o advento da Primeira Guerra Mundial, quando a Turquia uniu-se aos alemães na Tríplice Aliança. A questão em jogo é que, com o declínio do Império Otomano, a Turquia temia perder cada vez mais territórios, inclusive aqueles historicamente ocupados por armênios que ela já havia anexado. O Cáucaso, aliás, sempre foi uma região cobiçada, já que está em uma importante zona de passagem - entre o mar Negro e o Cáspio; entre o mundo ocidental e oriental.
Havia o serviço militar extensivo para todos, mas muitos armênios da porção ocidental turca pagaram sua isenção, pela falta de razões patrióticas para participarem da guerra. Em um determinado dia, contudo, as cidades foram ocupadas por soldados e o governo intimou todos os homens isentos do serviço militar a se identificarem, sob pena de morte. Assim, os Jovens Turcos finalmente colocaram em prática seu projeto de extermínio de toda a raça armênia, com o intuito de atingir a “otomanização” completa do território.
Tudo começou em 24 de abril de 1915, quando mais de 800 intelectuais armênios foram presos, deportados e assassinados. A partir de então, o massacre consolidou-se e perdurou até os anos seguintes. Foi um procedimento sistemático: ao passo que os homens foram conduzidos para fora das cidades e, em seguida, torturados e assassinados; as mulheres, crianças e os mais velhos receberam a ordem imediata de deportação em um prazo de até uma semana.
Wikicommons
Não só foram expulsos de seus lares e entregues a um destino desconhecido, como todos os seus bens foram confiscados e transferidos aos turcos.
O governo obrigava os grupos, que variavam entre 2 e 5 mil pessoas, a se encaminharem para três principais lugares: Sultanieh, uma aldeia no centro do deserto da Anatólia; Aleppo, na capital do norte da Síria; e Der-el-Zor, uma grande cidade no deserto. Após se estabelecerem em terríveis condições, o governo deu-se por satisfeito.
Neste êxodo, muitos morriam de inanição e de doenças. Além disso, sofriam uma série de abusos e torturas por mercenários curdos, que utilizavam métodos extremamente violentos, como relatam sobreviventes.
Eles também contam que, durante esta chamada “marcha da morte”, muitas mulheres foram estupradas e torturadas, inclusive grávidas e mães com criança de colo. Deve-se ressaltar que, mesmo as pessoas que pertenciam à camada mais abastada da sociedade armênia, não conseguiram escapar.
Havia três alternativas para driblar as privações do exílio: as crianças com menos de 12 anos poderiam ser entregues a conventos de dervixes, comunidades de fanáticos religiosos, onde recebiam os ensinamentos da fé muçulmana; as jovens poderiam ser vendidas em praça pública para viverem sob regime de escravidão sexual; e, em alguns casos, as famílias poderiam sobreviver se aceitassem a conversão total de seus membros ao islamismo. No entanto, a maioria dos armênios estava fadada à deportação.
Fato interessante, revelam relatos, é que muitos começaram a indagar a existência de Deus. Visto que a Armênia foi o primeiro Estado a oficializar o cristianismo no mundo, em 303, e a sua Igreja teve um papel essencial na manutenção do Estado e na preservação da identidade do povo, questionar a divindade suprema revela que o próprio povo já havia perdido todas as esperanças.
No entanto, a partir de 1918, muitas transformações ocorreram, alterando totalmente o panorama internacional: a Turquia foi uma das nações perdedoras na guerra; a Armênia proclamou, em 28 de maio desse mesmo ano, a sua independência e, em julho, foi assinado um Tratado de Paz entre esses dois países, em que os turcos reconheciam a soberania armênia. Mesmo após seis séculos de dominação estrangeira, a I República pouco durou, pois, em setembro de 1920, os turcos invadiram a Armênia que, sem condições de defesa, aliou-se aos comunistas, proclamando-se uma República Soviética, em 29 de dezembro daquele ano.
Após todos esses episódios, as autoridades turcas foram acusadas de massacrar 1, 5 milhão de armênios, responsáveis, assim, pelo primeiro genocídio do século XX. Não se deve esquecer que não foi apenas um massacre físico: os danos e as perdas que cultura milenar sofreu são incalculáveis, visto que ela não somente se estagnou em 1915, mas também se dispersou junto com os 800 mil armênios que fugiram para sobreviver. As modificações no idioma e nos hábitos dos armênios com as influências da ideologia comunista e da cultura russa são visíveis até hoje no país.
Patrícia Dichtchekenian/ Opera Mundi
Museu do Genocídio em Yerevan (capital): o monumento circular tem chama em seu interior que representa memória viva da tragédia
Apesar de ter ocorrido há 100 anos, o genocídio armênio permanece vivo nos dias de hoje, como vemos em Kessab. A principal questão refere-se ao fato dos sucessivos governos turcos se recusarem a reconhecer dos crimes cometidos. Além de negar, os líderes turcos ainda afirmam que as mortes foram causadas em virtude de uma guerra civil que trouxe doenças e fome, tanto para os armênios, quanto para os turcos. Entretanto, há diáspora como prova viva e comunidades de armênios sobreviventes da tragédia no mundo inteiro para contar o que de fato aconteceu no ano de 1915 e nos meses que se seguiram.
É fato que a história é bem mais complexa do que um jogo de maniqueísmo. Para além do bem e do mal, não se trata de uma demonização de turcos, longe disso. A verdade é que muitos deles lutam pela causa armênia. Não todos, é evidente. Perseguições acontecem e quem se declara favorável publicamente ao reconhecimento do genocídio é perseguido. Mas existe um movimento de resistência e é preciso se agarrar a ele e apoiá-lo por menor que seja.
Atualmente, a Armênia é um país soberano e independente, desde o desmantelamento da URSS, em 1991. Nessa circunstância, o povo armênio se reúne anualmente no dia 24 de abril para relembrar os seus mortos e exigir dos turcos o reconhecimento do massacre. Se a Armênia não pode ser ressarcida de suas perdas materiais, pelo menos assim recupere a sua dignidade moral e mantenha viva sua herança cultural.
Luís Guilherme Barrucho - @luisbarrucho
Da BBC Brasil em São Paulo24 abril 2015
"Fiz esta escrita em 1922. Na casa, fiquei 25 dias. Agora, me vou. Fiquem bem amigos. Aquele que ler Bedros que se lembre de mim. YAN".
A mensagem, gravada em pedra no canto superior esquerdo de uma janela, foi descoberta por acaso pelo arquiteto e fotógrafo brasileiro Stepan Norair Chahinian em um quarto da casa que pertencia à família de sua avó paterna, a armênia Anahid Der Bedrossian, em Urfa, na atual Turquia. No local, hoje funciona um hotel boutique.
Há cerca de 100 anos, o pai de Anahid ─ bisavô de Stepan ─ e o irmão fugiram dali apenas com as roupas do corpo. Eles foram os únicos de uma família de 35 membros a se salvar do massacre dos armênios pelos turcos.
Entre 1915 e 1923, 1,5 milhão de armênios foram mortos pelos otomanos. Outros milhares foram vítimas de deportação forçada. Classificada como 'genocídio' por países como Canadá, França e Alemanha, a denominação não é reconhecida oficialmente pelo Brasil. Até hoje, a Turquia nega que tenha havido extermínio sistemático dos armênios e alega que agiu para defender a "soberania nacional".
Stepan acredita que a mensagem, que está dividida em seis linhas e cuja assinatura se encontra codificada, foi escrita pelo irmão de seu bisavô paterno, Yan. Os dois fugiram da Armênia Ocidental, região que atualmente faz parte da Turquia, rumo a Alepo, na Síria, onde permaneceram temporariamente antes de se instalar de vez no Brasil.
"Coloquei as mãos sobre aquela mensagem e fechei os olhos; tentei conter as lágrimas acumuladas, mas deixei que rolassem. Eu precisava. Conversei internamente com ela, e confortei a alma daqueles que um dia viveram e morreram por lá", diz ele à BBC Brasil.
"Se a ideia era exterminar os armênios, ali estava um grande reencontro, entre um homem e uma pedra, prontos para contar a verdadeira história", acrescenta.
Após quatro viagens à Turquia, totalizando nove meses, e mais de 21 mil quilômetros percorridos pela Ásia Menor, Stepan decidiu contar esse reencontro por meio de fotos, reunidas em um livro ainda a ser publicado em português. Intitulada O poder do vazio – conversando com as pedras na Armênia histórica, a obra acaba de ser lançada em armênio, turco e inglês. Também haverá uma versão em espanhol.
Stepan também convidou intelectuais, jornalistas e escritores de origem armênia para escrever os textos que acompanham as imagens.
Além do livro, uma exposição fotográfica foi inaugurada em Istambul, na Turquia, e deverá passar por França, Estados Unidos, Argentina e Brasil.
"Meu bisavô foi uma vítima do genocídio e eu sou uma consequência dele. Mas minha jornada rumo à Armênia de meus antepassados teve como gênese o diálogo com os turcos. O genocídio aconteceu e precisa ser reconhecido. Quero conversar sobre este episódio histórico e lutar para que a justiça seja feita." Para Stepan, "o governo turco foi o mentor do crime".
"Desde pequeno, ouvia meus avós contarem histórias sobre o extermínio em massa dos armênios. Essa memória oral me fez chegar à casa que pertenceu à família de minha avó paterna em Urfa. Quis ir até lá e encarar meu passado. É minha singela homenagem aos meus antepassados e às milhares de pessoas que morreram", explica.
Leia mais: 'Genocídio' armênio ainda é tabu na Turquia
Stepan conta ainda que herdou a paixão pela fotografia de seu avô paterno, Avedis, também armênio. Nascido em Marach, na antiga Armênia, Avedis fugiu para a Síria quando tinha nove anos, junto do irmão mais novo. Ali ele aprendeu um novo ofício, diz Stepan.
"Meu avô se tornou um fotógrafo conhecido e chegou a ser correspondente durante a 1ª Guerra Mundial", lembra.
"Usei a câmera dele, uma Rolleiflex, para fazer fotos do que pude verificar durante a minha jornada".
As fotos feitas com a câmera do avô, em preto e branco, foram misturadas àquelas registradas com a câmera digital, acrescenta Stepan.
"Não foi fácil entender e processar tantas informações e experiências vividas nas terras de onde vêm as minhas raízes. Principalmente editar as fotos para o livro".
"Em busca de provas e pessoas, atrás de poderosas pedras e paredes falantes, em silenciosos lugares vazios onde estão guardados segredos, pude encontrar quem ainda tenta se esconder. Procurei descobrir onde foram parar as centenas de milhares de famílias que, como a minha, outrora por aqui habitavam e rezavam, nas mais de 2 mil igrejas que existiam na Turquia em 1915".
Com a certeza de que, em algum lugar do mundo, há armênios que ainda vão rir, cantar e rezar novamente.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/34960/genocidio+armenio+as+consequencias+de+99+anos+de+negacao+e+esquecimento.shtml
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