FEMINICÍDIO: MENOS DA METADE DOS
CASOS INVESTIGADOS VIROU PROCESSO
Dados de pesquisa mostram que denúncias de feminicídio cresceram, mas
ainda não são maioria
Dos 136,8 mil inquéritos abertos até 2007, em 2012 apenas 10.168 viraram
denúncias, o que corresponde a 7,32%.
Desde que foi tipificado como crime hediondo em março de 2015, até 30 de
novembro de 2016, o feminicídio teve
3.213 inquéritos de investigação registrados no país. Desse total, 1.540
tiveram a denúncia oferecida à Justiça (47,93%), 192 foram arquivados, 86 foram
desclassificados como feminicídio e 1.395 estão com a investigação em curso.
Os dados foram divulgados na reunião deste mês do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), que ocorreu no Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro (MPRJ). O tema voltou a ser debatido esta semana no Senado, durante
o seminário Mulheres no Poder: Diálogos sobre Empoderamento Político, Econômico
e Social e Enfrentamento à Violência.
Dados da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), do
CNMP, de 2013 mostram que as denúncias de homicídios em geral no país ficam
muito abaixo desse percentual. Dos 136,8 mil inquéritos abertos até 2007, em
2012 apenas 10.168 viraram denúncias, o que corresponde a 7,32%. Outros 39.794
foram arquivados.
A coordenadora do Grupo Especial de Combate a Homicídios de Mulheres
(Gecohm), promotora de Justiça Lúcia Iloizio, explica que o objetivo da reunião
foi discutir a meta do Ministério Público de combate ao feminicídio, instituída
quando a tipificação do crime foi criada. O objetivo é oferecer a denúncia de
todos os inquéritos à Justiça, para reduzir o número desse tipo de crime, meta
da Enasp para 2016.
“A meta [de combate] do feminicídio previa concluir o oferecimento de
denúncias pelo Ministério Público dos inquéritos policiais que apurassem a
conduta, lembrando que a Lei do Feminicídio entrou em vigor no dia 10 de março
de 2015. Então, a meta era, no primeiro ano de vigência da lei, concluir o
máximo possível de inquéritos”.
Até o momento, 47,93% dos casos viraram processos na Justiça. De acordo
com a promotora, para 2017 a meta de 100% continua a ser perseguida, já que
muitos inquéritos ainda estão em andamento. “Pode acontecer de não ter uma
linha de investigação definida, podem faltar os elementos ou provas para
oferecer a denúncias e o laudo demorar a chegar. A gente só pode oferecer a
denúncia se houver elementos suficientes para isso. Muitos casos ainda podem
ter oferecida a denúncia, não foram arquivados. Vamos perseguir essa meta para
zerar as investigações”.
Lúcia Iloizio acrescenta que outro objetivo é dar visibilidade ao
problema do feminicídio no país e gerar dados estatísticos sobre a violência
doméstica e as mortes de mulheres. “É efetivamente em situações de violência
doméstica? É em situação de menosprezo? Qual é esse índice, qual esse
percentual, qual esse montante? Ela chama a atenção para a questão da violência
contra a mulher. O feminicídio é uma das formas extremamente graves da
violência doméstica e familiar”.
O feminicídio é o assassinato da mulher pelo fato de ela ser mulher. É
caracterizado quanto houver uma das situações de violência doméstica previstas
na Lei Maria da Penha ou se for em decorrência de menosprezo à condição da
mulher.
Diagnóstico
Dados divulgados em outubro pela Enasp mostram que, na ocasião, eram
3.673 casos registrados em todo o país. Minas Gerais aparece com o maior
número, 576, seguido de Rio de Janeiro, com 553, e da Bahia, com 395. Na outra
ponta, o Rio Grande do Norte registrou 12 casos de feminicídio desde que a lei
foi criada, Roraima, 16, e o Maranhão e Sergipe tiveram 20 casos cada. Alagoas
e o Piauí não haviam enviado dados para o balanço.
Uma das coordenadoras da iniciativa Dossiê Feminicídio, Marisa Sanematsu
considera positivo o engajamento do Ministério Público na questão e destaca que
o órgão é um dos parceiros da campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da
Penha. Mas, para ela, é preciso avançar muito a partir do diagnóstico
apresentado.
“Acho importante, porque nós precisamos de dados. Mas a meta é muito mais
do que contar número de inquéritos. A meta de redução quer dizer que o
Ministério Público está comprometido em apurar os crimes de homicídio,
acompanhar as investigações, olhar os assassinatos para ver se são
feminicídios, o que quer dizer ter visão de gênero para fazer o trabalho. A
meta é implementar estratégias para que de fato se investigue e puna os
culpados”.
O Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil, lançado pela
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) Brasil, mostra que
entre 1980 e 2013 o homicídio de mulheres cresceu, passando de 1.353 em 1980
para 4.762 em 2013, com aumento de 252%. Em 1980, a taxa era de 2,3 vítimas por
100 mil mulheres e passou para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%.
Antes da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, o crescimento da taxa de
assassinato de mulheres foi de 2,5% ao ano. Depois da lei, caiu para 1,7% ao
ano. O levantamento revela que o Brasil está em quinto lugar no ranking de países
que mais matam mulheres, atrás apenas de El Salvador, da Colômbia, Guatemala e
Rússia.
Marisa, que é diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão,
instituição que trabalha com informação e direitos das mulheres, ressalta que
boa parte desses assassinatos de mulheres ocorre dentro de casa (27,1%) e é
cometida por pessoa conhecida da vítima, o que indica o problema da violência
doméstica como fator importante no desfecho trágico. Para ela, é importante que
sejam feitas campanhas de esclarecimento sobre o tema e de capacitação dos
investigadores para lidar com a questão. A diretora lembra que nem todo
assassinato de mulher é caracterizado como feminicídio.
“A gente precisa ver que em todo o processo, desde a investigação até o
julgamento, é preciso ter uma visão de gênero. Tentar identificar o que o fato
de a vítima ser mulher alterou no sentido dos acontecimentos. No feminicídio
íntimo, que ocorre dentro de casa, não é apenas olhar para uma cena de crime e
falar que matou por ciúmes. Ninguém está olhando o contexto de violência que
precedeu aquele desfecho. Se os investigadores começarem a olhar para as
denúncias de violência doméstica com mais atenção, com mais sensibilidade,
podemos conseguir evitar muitas mortes, muitos desfechos trágicos”.
De acordo com ela, o coordenador da Enasp, conselheiro Valter
Schuenquener, informou no seminário em Brasília que o Cadastro Nacional do CMNP
deve ser lançado em março, para fazer o registro dos casos de violência
doméstica por estado.
Por Agência Brasil