MPF apura denúncia que ligaria militar à compra irregular de
submarinos
Luxo e
viagem dão indício de improbidade.
Marinha não explica.
O comandante da Marinha do Brasil, almirante Júlio Soares de
Moura: investigado por improbidade.
RIo - Num inquérito civil público aberto há um ano e que
estava guardado a sete chaves, o comandante da Marinha do Brasil, almirante
Julio Soares de Moura Neto, é alvo de investigação da Procuradoria da República
no Distrito Federal por improbidade administrativa. O Ministério Público
Federal apura três denúncias feitas por um advogado, cujo nome está sendo
mantido em sigilo. A principal delas, segundo o documento, é a aquisição de
imóvel de luxo na Avenida Atlântica, no Leme, “que seria incompatível com sua
renda e que estaria vinculada, de forma ilícita, à compra de submarinos
franceses pelo Brasil”.
Na quinta-feira, o inquérito foi redistribuído e agora está
nas mãos do procurador da República Anselmo Henrique Lopes, do Núcleo de
Combate à Corrupção. O prazo de apuração se expira no próximo mês, mas pode ser
prorrogado até maio do ano que vem.
As viagens para o exterior feitas pelo comandante da Marinha,
‘em tese, desnecessárias e em número excessivo’ —, também serão apuradas. Só em
2012 foram 64 dias fora do país. A última investigação é sobre a nomeação de um
capitão-de-mar-e-guerra, que seria primo de sua mulher, para servir na
Organização Marítima Internacional (IMO), sediada em Londres. Esse mesmo
oficial deixou de ser promovido algumas vezes porque a Comissão de Promoção de
Oficiais (CPO) o considerara inabilitado para comandar navios ou organizações
militares, segundo fontes da Marinha.
Em dezembro de 2008, o Brasil anunciou a compra de submarinos
franceses, mas os contratos foram assinados no primeiro semestre de 2009.
Naquela ocasião, o comandante da Marinha e sua mulher, Sheila Royo Soares de
Moura, residiam num modesto apartamento de fundos comprado em 1977 na Rua
General Ribeiro da Costa, no Leme.
Em fevereiro de 2009, a família concretizou a primeira
transação imobiliária: Sheila adquiriu em seu nome um outro apartamento no
prédio onde morava, por R$ 280 mil. Em junho, o almirante e sua mulher venderam
por R$ 730 mil o imóvel no qual residiam, mas continuaram no mesmo edifício da
Rua General Ribeiro da Costa, no imóvel comprado.
A diferença de valor entre os dois apartamentos no mesmo
prédio, negociados com apenas quatro meses de intervalo, foi de R$ 450 mil. Em
setembro, compraram um apartamento num prédio que é considerado um dos dez
melhores edifícios do Rio de Janeiro, segundo avaliação no site
‘Skyscrapercity’. O endereço é nobre: Avenida Atlântica 270, no Leme, de frente
para o mar.
O valor de compra do imóvel não reflete a realidade do
mercado na época: na escritura, consta que o almirante Moura Neto adquiriu o
apartamento por apenas R$ 1.180.000. Imobiliárias garantem que, na ocasião, um
imóvel naquele prédio custava, no mínimo, o dobro.
A Marinha enviou nota, mas não respondeu aos questionamentos
do DIA .
Imóvel no Leme pertencia à mulher de empresário do Sul
Imóvel na Atlântica teria sido comprado por metade do valor:
R$ 1,1 milhão
Foto: Reprodução Google Maps
A única
pessoa que poderia explicar por que o imóvel da Avenida Atlântica foi vendido a
um preço irrisório, considerando-se o mercado na época, morreu ao cair da
sacada de seu apartamento em Curitiba (PR): seria a ex-proprietária, Dalete
Barros dos Santos, antes conhecida como Lisa Grendene, ex-socialite e ex-esposa
do magnata do ramo calçadista Alexandre Grendene Bartelle.
Conforme O DIA apurou, o apartamento
no bairro do Leme, de frente para o mar, tem duas suítes, mais dois quartos, um
lavabo, living, cozinha, dependências de empregada e quatro vagas para
automóveis na garagem.
O edifício é revestido com granito branco e sua fachada é cercada
por coqueiros, refletindo o luxo dos apartamentos que abriga. O valor do
condomínio é um segredo no prédio: nenhum morador indagado quis revelar quanto
desembolsa.
Pedido de arquivamento de procurador foi rejeitado
Para
investigar as denúncias contra o comandante da Marinha, almirante Julio Soares
de Moura Neto, o Ministro Público Federal (MPF) solicitou informações à
Controladoria Geral da União e ao 5º Registro Geral de Imóveis do Rio de
Janeiro, mas ainda não obteve respostas dos órgãos.
Antes de ir para o Núcleo de Combate à Corrupção, trabalharam
no caso os procuradores da República Peterson Pereira e Luciana Loureiro
Oliveira. Embora as denúncias tenham começado a ser apuradas no MPF do Rio em
Janeiro em 2013, pelo fato de o almirante exercer cargo em Brasília, acabaram
encaminhadas ao Distrito Federal.
Em 24 de abril de 2013, o procurador da República Helio
Ferreira Heringer Júnior pediu o arquivamento do caso, sob alegação de que não
havia indícios suficientes para abertura de inquérito civil público. Mas o
pedido foi rejeitado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, do MPF. Em 31 de
maio do ano passado, o inquérito foi instaurado, mas a chancela do órgão
ocorreu no fim de outubro, quando pelo menos um autor das denúncias se
identificou.
Marinha envia nota sem respostas ao DIA
A Marinha recebeu e-mail do DIA na
quarta-feira, contendo 15 perguntas diretas sobre o assunto. Na sexta-feira, 48
horas depois, enviou nota sem responder a qualquer uma das indagações. Afirmou
apenas que a suposta irregularidade do processo da compra do imóvel na Avenida
Atlântica decorre de denúncia anônima — já se sabe que um advogado é o autor
das denúncias.
Segundo a Marinha, a mesma denúncia foi enviada à
Corregedoria Geral da União (CGU). E acentua que a imputação de crime de
enriquecimento ilícito contra o comandante, ‘atacando diretamente a sua honra,
coloca sob suspeição a honestidade e a probidade no desempenho do cargo que
ocupa’.
De acordo com a nota, Moura Neto enviou relatório ao
Ministério da Defesa com dados sobre a compra do apartamento na Avenida
Atlântica, incluindo os recursos financeiros utilizados para a negociação.
Sobre as viagens, relatou apenas que foram para participação em seminários, conferências e reuniões com outras forças navais. Quanto ao suposto grau de parentesco do oficial Pinho com a mulher de Moura Neto, nem uma palavra foi dita. A Marinha limitou-se a dizer que sua designação para a Organização Marítima Internacional é prerrogativa do comandante.
Sobre as viagens, relatou apenas que foram para participação em seminários, conferências e reuniões com outras forças navais. Quanto ao suposto grau de parentesco do oficial Pinho com a mulher de Moura Neto, nem uma palavra foi dita. A Marinha limitou-se a dizer que sua designação para a Organização Marítima Internacional é prerrogativa do comandante.
Documento de compra e venda de apartamento na Avenida
Atlântica
Indicados são mal vistos
A indicação
de dois oficiais para trabalhar em postos no exterior, feita pelo comandante da
Marinha do Brasil, almirante Julio Soares de Moura Neto, causou mal-estar na
Força Armada. O primeiro, que é objeto de investigação do inquérito civil, é o
capitão-de-mar-e-guerra Fernando Augusto Teixeira de Pinho, que seria primo da
mulher do comandante. Pinho foi designado para atuar na Organização Marítima
Internacional (IMO), ligada à Organização nas Nações Unidas (ONU).
Segundo fontes na Marinha, Pinho foi reprovado algumas vezes
pela Comissão de Promoção de Oficiais (CPO) para comandar navios e outras
organizações militares, e teria sido promovido a capitão-de-mar-e-guerra não
por merecimento, mas por antiguidade. Depois que o almirante Moura Neto assumiu
o comando da Marinha, Pinho foi transferido para o Estado-Maior.
O outro oficial é o capitão-de-fragata Alexandre Calmon de
Britto Campos Reis. De acordo com fontes, Calmon teria deixado de fazer um
curso obrigatório de carreira, mas não se sabe o motivo, e por isso não foi
promovido a capitão-de-mar-e-guerra. O oficial era lotado no gabinete do
comandante da Marinha e pessoa muito próxima a ele, segundo informações de
fontes.
Em novembro do ano passado, Calmon foi indicado para
trabalhar como chefe na Junta Interamericana de Defesa, em Washington, capital
dos Estados Unidos.
Mãe de militar, dona de 50% do imóvel, fez doação a filho e
nora
Na
escritura de compra e venda do imóvel da Avenida Atlântica, no Leme, a mãe do
comandante da Marinha, Lourença Soares de Moura, aparece como a compradora de
50% do apartamento.
Os outros 50% são adquiridos por Julio Soares de Moura Neto e
sua mulher, Sheila Royo Soares de Moura. No entanto, no mesmo documento, a mãe
faz uma doação da parte dela para o filho e a nora, em regime de usufruto — na
morte dela, os outros 50% do imóvel passam para o casal.
Mas não foi apenas Lourença quem resolveu fazer doações de
bens na família. O apartamento 303, da Rua General Ribeiro da Costa 190,
comprado em fevereiro de 2009, ficou na posse total da mulher do comandante da
Marinha até a data de 5 de abril de 2013, quando ela doou a metade do imóvel
para a cunhada, Janete Ferreira de Andrade, irmã do marido.
Coincidentemente, na véspera, o dia 4 de abril, o jornalista
Cláudio Humberto publicou nota em seu site intitulada “Poder, política e
bastidores”, dizendo que o comandante poderia aproveitar a aposentadoria num
belíssimo apartamento, na cobiçada Avenida Atlântica, avaliado em R$ 5 milhões
(valor é referente àquela ocasião).
Segundo a Marinha, militar fez viagens oficiais por 64 dias em
2012
De acordo
com documentos a que O DIA teve acesso, somente em 2012
o comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto, viajou por um
período total de 64 dias para a Antártica, o Reino Unido, a República de Cabo
Verde, o Chile, a Namíbia e Angola (duas vezes). E ainda para países México,
Estados Unidos e Peru. Mas há informações de que ele também teria ido à Líbia.
Um ano antes, Moura Neto visitou duas vezes os Estados Unidos
(em setembro e outubro), num total de 13 dias.
No ano passado, o militar foi à Argentina e à Holanda (12
dias). E, apenas em fevereiro e março de 2014, ele esteve na Inglaterra, na
França e no Uruguai (17 dias).
O comandante da Marinha fez 16 viagens a 14 países entre
setembro de 2011 e março de 2014. A única informação dada pela Marinha é que
foram viagens oficiais.
FONTE JORNAL O DIA-RIO DE JANEIRO