Um homem espera, sozinho, o ônibus que o levará para casa.
Dois carros param diante dele. Os homens que descem o massacram furiosamente
com barras de ferro.
Até reduzi-lo a um monturo de sangue e carne sem vida.
Entram nos carros e vão embora.
A fúria assassina desses agressores está abaixo da mais
primitiva desumanidade. Mais uma briga de torcida, como disse a notícia?
"Torcedores do São Paulo agrediram um torcedor do Santos, que
morreu." Nem como hipótese.
Estamos, no Brasil, em um agravamento da brutalidade que não
cabe mais nos largos limites do classificável como violência urbana. E não
basta dizer que nada é feito contra tal processo. O que se passa, de fato, é
que nem sequer o notamos. Convive-se com o agravamento como uma contingência
incômoda, em seus momentos mais gritantes, mas natural, meras desordens da
desigualdade social.
Nada a ver com a perversa desigualdade social.
O homem
massacrado por vestir a camisa do Santos era portador da desigualdade como o
são os monstros que vestiam a camisa do São Paulo. Os bandos criminosos que
voltaram a digladiar-se em algumas favelas do Rio formaram-se e vivem nas
mesmas misérias da desigualdade social.
O agravamento da brutalidade no Brasil é um processo em si
mesmo. E não está só nos territórios da pobreza. A própria incapacidade de
percebê-lo é um sintoma do embrutecimento sem distinções sociais, econômicas e
culturais. Outros sintomas poderiam ser notados --na deseducação, no
rebaixamento individual e coletivo dos costumes, em muito do que os meios de
comunicação tomam como modernidade, na política. Até onde a elevação do trato
entre suas excelências parecia inexaurível --no Supremo.
Um homem espera um ônibus que o levará para casa. Onde nunca
mais chegará. E onde o esperavam um filho de meses e a mulher. Mais uma banal
tragédia para duas pessoas, às vezes são quatro, podem ser sete nas casas dos
Amarildos? Sem interesse político para explorá-lo, será só isso mesmo,
"mais uma briga de torcida que acaba em morte". É, no entanto, um
gigantesco questionamento ao país e à sua perdição cega e surda, embalada pela
degeneração de suas "elites", todas elas.
Briga de torcida? Bandos de criminosos estão agora atacando a
polícia, no que assim representa a segunda fase --a da reação-- do programa de
UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora cuja instalação em cidadelas do crime
restaurou muito do Rio. No país todo, qualquer incidente, inclusive se
provocado por bandos criminosos em disputa, leva à interrupção de ruas e
estradas, incêndios de ônibus e carros, já também de moradias destinadas à
própria pobreza. A internet convoca sem cerimônia e sem restrição para
violências, não lhe bastando os brasileiros, também contra os estrangeiros que
venham à Copa e até contra times.
À espera do ônibus ou dentro do carro, branco, negro, pobre, rico:
o Brasil se embrutece. E o Brasil nem sequer se nota.
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