Só choveu na horta da
Kátia Abreu
Leandro Fortes
http://www.cartacapital.com.br/politica/so-choveu-na-horta-da-katia/
Contra a determinação do DEM, a senadora do
Tocantins montou um esquema de arrecadação que beneficiou as campanhas do
próprio filho e de aliados em seu estado
A senadora Kátia Abreu,
do Tocantins, era um dos orgulhos do DEM até se bandear para o recém-criado
PSD, do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do qual, inclusive, poderá ser
a primeira presidenta. Enquanto era um dos expoentes do ex-PFL, Kátia
aproveitou-se como pôde da sigla. Nas eleições de 2010, criou uma falsa campanha
nacional para, via caixa do partido no Tocantins, arrancar dinheiro de
produtores rurais em todo o Brasil e eleger o filho, Irajá Abreu (DEM-TO), para
a Câmara dos Deputados, e outros nove deputados estaduais para sua base
política local. Tudo sem que a direção nacional do DEM tivesse conhecimento.
A ideia de convocar os
“cidadãos e militantes” do agronegócio Brasil afora para bancar a campanha dos
ruralistas foi posta em prática graças à capilaridade e ao poder econômico da
Confederação Nacional da Agricultura (CNA), presidida pela senadora. De posse
do cadastro da instituição, ela usou o serviço de mala direta para mandar
boletos bancários de 100 reais cada, a fim de garantir recursos extras para a
eleição e reeleição de candidatos ruralistas. Nas eleições de 2010, a senadora
coordenou as finanças da campanha do candidato José Serra, do PSDB, à
Presidência. Ou seja, usou uma entidade de classe para fazer política
partidária. Oficialmente, a CNA “atua na defesa dos interesses dos produtores
rurais brasileiros junto ao governo federal, ao Congresso Nacional e aos
tribunais superiores do Poder Judiciário, nos quais dificilmente um produtor,
sozinho, conseguiria obter respostas para as suas demandas”.
A questão não se resume
apenas a um dilema ético-institucional. Para convocar os produtores a bancar as
campanhas dos ruralistas, Kátia Abreu tornou-se protagonista de um vídeo de 1
minuto e 32 segundos, ainda disponível no YouTube, intitulado “Ajude-nos nessa
missão”. O programa foi criado para ser veiculado, na internet, dentro do site
www.agropecuariaforte.com.br, atualmente fora do ar, produzido pela equipe da
senadora para divulgar as agendas de campanha dos candidatos ruralistas e os
interesses dos latifundiários a serem defendidos durante as eleições passadas.
O mais interessante é
que, a certa altura do vídeo, a senadora apela aos produtores para “garantirmos
a presença, no Congresso Nacional, de parlamentares dispostos a assumir, sem
medo, as grandes causas do campo”. Para tal, conclama a todos a “eleger e
reeleger” deputados e senadores ligados ao agronegócio “independente (sic) do
estado ou do partido”.
Em seguida, explica que
todo o dinheiro doado seria depositado “em conta exclusiva do meu partido”,
para, segundo ela, “ter mais controle sobre a arrecadação”. A tal conta
exclusiva pertencia ao diretório regional do DEM do Tocantins, do qual ela, por
coincidência, era também presidenta. De fato, ela manteve total controle sobre
a arrecadação.
De acordo com o site do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 6.485 eleitores atenderam ao pedido da
senadora e lá depositaram 648,5 mil reais. Outras 330 empresas também atenderam
ao apelo e, juntas, doaram outros 66 mil reais para a campanha a favor da
“agropecuária forte”. Acontece que o dinheiro irrigou somente a horta da turma
tocantinense de Kátia Abreu. Os demais candidatos defensores do agronegócio no
resto do País nunca viram brotar um só centavo em suas contas de campanha.
Ainda segundo o
registro do TSE, feito a partir da prestação de contas do diretório do DEM em
Palmas, revela-se que somente dez candidatos receberam recursos oriundos do
fundo ruralista criado pela parlamentar: nove deputados estaduais do Tocantins,
que formam a base da senadora no estado, e seu filho Irajá Silvestre Filho,
deputado federal eleito. Para facilitar a eleição do rebento, a mãe conseguiu,
inclusive, mudar o sobrenome dele: o jovem passou a chamar-se, nas eleições
passadas, Irajá Abreu.
Dos 1,4 milhão de reais
arrecadados pelo DEM do Tocantins (dos quais 714 mil reais vieram da campanha
de Kátia Abreu), 200 mil reais foram para a campanha de Irajá Abreu.
Titular da Comissão de
Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, onde atua como lobista do latifúndio
nacional, Irajá Abreu chegou a ser autuado, em Palmas, por desacatar policiais
militares, após ser multado por se recusar a retirar o carro de um
estacionamento privativo de táxis. “Quem é você para me pedir documentação?”,
bradou o filho da senadora para o PM que o interpelou. No episódio, o jovem
ruralista, de 27 anos, ficou tão furioso que foi preciso chamar reforço
policial para contê-lo.
Ao saber da história
por Carta Capital, a direção nacional do DEM mostrou-se surpresa.
De acordo com a
assessoria de imprensa da sigla, o partido chegou a ser consultado, no ano
passado, da viabilidade de se montar a tal campanha de arrecadação para
candidatos ruralistas. Kátia Abreu, informa a direção do partido, foi
“expressamente” desautorizada a fazê-lo. Internamente, avaliou-se que esse tipo
de arrecadação poderia causar problemas na Justiça Eleitoral.
Ainda assim, a senadora
levou o projeto adiante, sem o conhecimento do partido e sem jamais ter
prestado conta do dinheiro arrecadado.
Apenas pelo site do TSE
foi possível à direção nacional do DEM descobrir que o dinheiro da campanha
“Ajude-nos nessa missão” foi distribuído para apenas quatro outros candidatos
do partido no estado, além do filho da parlamentar. Os beneficiados foram Darlom
Jacome Parrião, Antonio Poincaré Andrade Filho, Maria Auxiliadora Seabra
Rezende e Silas Rodrigues Damaso. Também receberam apoio Amélio Cayres de
Almeida, Wilmar Martins Leite Júnior e José Bonifácio Gomes de Souza, filiados
ao PR, Ailton Parente Araújo (PSDB) e Gerônimo dos Santos Lopes Cardoso (PMDB).
Kátia Abreu não atendeu aos pedidos de entrevista.
Leandro Fortes é
jornalista, professor e escritor, autor dos livros Jornalismo Investigativo,
Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros.
Mantém um
blog chamado Brasília eu Vi. http://brasiliaeuvi.wordpress.com
Fonte: CARTACAPITAL