Mulheres rompem
barreiras e podem agora ser generais.
Dirceu Ayres
Três médicas entram
esta semana para a história do Exército como as primeiras mulheres a se
formarem na Escola de Comando. As Majores Regina Rangel, Carla e Schendel são
alunas da primeira turma mista da Escola de Comando Sete de dezembro de 2011
será um dia histórico para o Exército brasileiro. Pela primeira vez desde 1905,
quando a Escola de Comando e Estado-Maior foi criada, mulheres estarão entre os
formandos do curso que é pré-requisito para a promoção a general. Mais do que
isso, uma delas será condecorada como a primeira colocada da turma. “Há dez
anos, falei que não era para permitir a entrada. Elas são ousadas. Deixaram,
olha o que aconteceu! A primeira da turma é mulher”, brinca o subcomandante da
escola, coronel Marcos Antonio Soares de Melo. A primeira turma mista é só de
médicos. O curso não é obrigatório e a seleção, considerada muito difícil,
afasta candidatos. Centenas de militares estavam aptos a concorrer às 20 vagas,
mas só 42 se inscreveram, e sete passaram — três mulheres. As majores Carla
Maria Clausi, Regina Lúcia Barroso Rangel e Regina Lúcia Moura Schendel ainda
terão que trabalhar de 12 a 15 anos para concorrer ao generalato, mas vibram
com o avanço. “Já consegui tudo que eu queria. Estou muito feliz.”, diz
Schendel. “Temos sido pioneiras”, comemora Regina Rangel, que também foi da
primeira turma mista da Escola de Saúde. Médicos só podem chegar a generais de
divisão, penúltimo posto da carreira regular. General de exército é exclusivo
para quem cursa a Academia Militar das Agulhas Negras, onde o ingresso de
mulheres ainda é proibido. “Tem de amadurecer a ideia”, avalia o coronel. Maior
emoção da vida foi resgatar crianças sob escombros no Haiti Primeira colocada
da turma, Carla Maria Clausi, 48 anos, foi destaque também na Escola de Saúde
do Exército. A cirurgiã curitibana, especializada em terapia intensiva na
Bélgica, entrou para o Exército dez anos depois de casar com um militar.
Paraquedista e mergulhadora civil, integrou a primeira equipe brasileira
feminina de orientação — esporte militar no qual se corre longas distâncias,
indicadas por mapa e com apoio de bússola. Expansiva, como todo descendente de
italiano, a major não camufla sentimentos. E vai às lágrimas lembrando do ano
em que serviu no Haiti. Em 2008, uma escola desabou, com a passagem de um
furacão. Quando Carla chegou ao local, ainda foi possível escutar choros, mas
recebeu recomendação para “evacuar a área”. “Nunca mais poderei dormir em paz
se eu abandonar essas crianças”, argumentou. Ela acabou coordenando uma equipe
de oito enfermeiros, em um resgate dramático. O grupo, junto com o general
Carlos Alberto do Santos Cruz, passou 6h30 cavando os escombros com a mão.
Quatro crianças saíram vivas. Médica aprendeu dois idiomas indígenas para
atender na fronteira Filha de pianista, sobrinha de compositor, Regina Lúcia
Barroso Rangel, 51 anos, diz que sempre gostou das Forças Armadas.
Especializada em cardiologia e medicina esportiva, durante 11 anos aplicou mais
de 2 mil testes cardiorrespiratórios em atletas militares. Antes de atuar na
Escola de Educação Física do Exército, dentro do paradisíaco Forte São João, na
Urca, a carioca ralou dois anos em São Gabriel da Cachoeira (AM). “Cheguei a ir
para o pelotão de fronteira. Do outro lado do rio era a Colômbia”, explica. “É
uma vida muito difícil. Uma região muito isolada.” Segundo a major, a viagem de
Manaus pelo Rio Negro demora mais ou menos três dias. Se não for assim, só de
avião. Os casos mais graves que atendeu foram os de picadas de cobras,
incluindo jararaca e cobra-coral. “Os pacientes vinham de barco, demoravam dias
e, quando chegavam, (os ferimentos) já estavam muito evoluídos.” Na região, 95%
da população é indígena. Para cumprir a missão, como dizem, Regina Rangel, que
fala inglês e espanhol, aprendeu também tucano e baniwa. Para major, mulher só
conquista espaço se impondo com trabalho Durante três anos servindo na
Amazônia, de 1999 a 2001, Regina Lúcia Moura Schendel, 50 anos, conheceu
“lugares esquecidos”. A carioca conta que não basta ser médica para prestar
atendimento em comunidades ribeirinhas. “Fiz curso para aprender a consertar
voadeira” (barco a motor), relata. “Você pode estar no meio do rio, ter um
defeito e ficar ali. Não vai ter resgate”, explica. Subindo e descendo rios, a
cardiologista socorreu inúmeras emergências. “Atendia muitos casos em que o
cabelinho da criança, muito comprido, enrolava no motor do barco e
escalpelava”, relata. “A gente atende de tudo porque há carência de médicos na
região. Você não encontra médico civil nesses lugares, é só a gente mesmo. Nem
com bons salários o civil vai.” Filha de general engenheiro, numa família de
engenheiros civis, a médica não rompeu com a tradição só em casa. “Fui a primeira
mulher instrutora da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais”, orgulha-se, ao
lembrar de quando ensinava medicina de guerra. Considera que este pioneirismo
foi seu maior desafio profissional. “Não adianta ser simpática. Tem de se impor
com trabalho.” O DIA ONLINE.