AGNELO, ARRUDA E FILIPPELLI RECEBERAM
R$ 16,6 MILHÕES COM MANÉ, APONTA MPF
Investigação do
Ministério Público Federal aponta que, no total, os ex-governadores José
Roberto Arruda e Agnelo Queiroz, além do ex-vice Tadeu Filippelli, receberam
pelo menos R$ 16,6 milhões com a trama criada para as obras do Mané Garrincha.
As três denúncias da
Operação Panatenaico, ajuizadas na semana passada na 12ª Vara da Justiça
Federal, apontam detalhadamente como, na visão do Ministério Público Federal
(MPF), uma trama entre políticos e empreiteiras levou ao superfaturamento no
preço das obras do Estádio Nacional Mané Garrincha. O esquema envolveu, ainda,
funcionários do alto escalão da Novacap, da Terracap e operadores supostamente
designados para cobrar e receber propinas. Tudo teria sido idealizado e
autorizado por quem comandava, à época, o Distrito Federal. Entre os 12
denunciados estão os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz
(PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (MDB).
Nas ações penais, o
MPF aponta um acordo de mercado que rendeu altas cifras aos ex-gestores. A
Agnelo estão relacionados pagamentos que totalizam R$ 6,495 milhões. Os
repasses ocorreram por meio de doações ao PT e a uma igreja; do atendimento a
uma lista de exigências, como a contratação de serviços de clipping e a compra
de ingressos para jogos; e de dois supostos operadores, o empresário Jorge
Salomão e o advogado Luís Carlos Alcoforado. Para Filippelli, a propina chegou
a R$ 6,185 milhões, a título de doações oficiais à chapa nas eleições de 2014,
além de 1% sobre o valor do contrato firmado com as empreiteiras para a
construção da arena. No caso de Arruda, a conta foi de R$ 3,92 milhões,
divididos em dinheiro, contratos simulados e doações a paróquia (leia
Acusados).
O acerto para
superfaturar as obras do Mané Garrincha começou, segundo os procuradores da
República no DF, em meados de 2008, numa reunião na residência oficial de Águas
Claras, convocada por Arruda, na qual se tratou a divisão das maiores obras de
Brasília entre as principais empreiteiras do Brasil. Para evitar disputas em licitações,
o mercado se adequou.
Depois de algum tempo,
pelo acordo, a construção do centro esportivo ficou a cargo das empresas
Andrade Gutierrez e Via Engenharia, que formaram o Consórcio Brasília 2014. Em
troca do favorecimento, as empreiteiras pagariam ao ex-chefe do Buriti, em
propina, o equivalente a 1% do valor da obra.
Arruda acompanhou o
direcionamento do processo licitatório. Segundo o MPF, representantes do
consórcio e dirigentes da Novacap teriam produzido o edital sob a supervisão do
ex-governador, que determinou o teto de R$ 700 milhões a ser gasto com o
empreendimento. Para atender à demanda, os responsáveis fizeram reduções dos
preços em estipulação, por meio da retirada da cobertura, do gramado, de
assentos e da comunicação visual. Todos esses itens seriam incluídos, depois,
por meio de aditivos. No fim das contas, a arena custou R$ 1,575 bilhão.
Crime
Segundo depoimento de
executivos da Andrade Gutierrez, que embasaram a Operação Panatenaico, houve um
conluio com a Odebrecht e a OAS para que as empresas não entrassem de forma
competitiva nas concorrências. As duas construtoras fizeram preço de cobertura,
que, no jargão dos empreiteiros, significa apresentar uma proposta com valores
mais altos para forjar o interesse e dar um caráter de normalidade na
licitação, tornando a proposta do outro mais atraente. O acordo previa uma
reciprocidade criminosa na disputa pela obra da arena erguida em Pernambuco,
vencida pela Odebrecht.
Com a licitação do
estádio de Brasília ganha pelo consórcio no DF, teve início o esquema de
superfaturamento. No governo Arruda, a trama ficou prejudicada pela Operação
Caixa de Pandora, que levou o ex-governador à prisão e à derrocada de seu
governo. Anos depois, o ex-chefe do Executivo local teria cobrado a conta pelo
esquema. Parte da propina foi repassada aos dois intermediários: o empresário
Sérgio Andrade e o advogado Wellington Medeiros, ex-desembargador do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). O primeiro recebeu
valores em dinheiro. No segundo caso, os recursos teriam sido transferidos a
Arruda por meio de um contrato forjado com o escritório de advocacia do
ex-magistrado.
Retomada
De acordo com a
denúncia do MPF, assim que Agnelo e Filippelli assumiram o governo, a
organização criminosa voltou a operar sem incômodos.
Governador e vice teriam
se unido para explorar o esquema. Os dois receberam benefícios listados pelos
procuradores da República Francisco Guilherme Bastos, João Gabriel Morais e
Melina Montoya Flores. Para garantir que o conluio funcionasse, Agnelo emplacou
na Câmara Legislativa um projeto que ampliou a área de atuação da Terracap a
fim de englobar novos investimentos em obras e atividades econômicas. Para sustentar
a continuidade das obras, também adotou medidas relacionadas ao
contingenciamento de gastos do governo.
Segundo a denúncia, a
então presidente da Terracap, Maruska Lima de Sousa Holanda, e o presidente da
Novacap à época, Nilson Martorelli, ficaram responsáveis pelas tratativas na
empresa pública. Para dar espaço às irregularidades e homologar um aditivo orçado
em mais de R$ 50 milhões, receberam, cada um, R$ 500 mil do consórcio a título
de propinas.
Documentos recolhidos
pela Polícia Federal nas buscas e apreensões comprovam, na visão do MPF, o
recebimento do dinheiro ilícito. Um HD retirado de um computador da Novacap
utilizado por Maruska aponta que, segundo extrato bancário do início de 2017,
ela detinha R$ 280 mil na conta bancária. Ademais, ela teria aplicações, entre
2015 e 2016, que chegaram a R$ 920 mil. Para os procuradores, o valor é
incompatível com as remunerações da ex-presidente da Terracap, que recebia R$
10 mil mensais.
Pelas irregularidades,
o MPF denunciou, além de Arruda, Agnelo, Fillippelli, Maruska e Martorelli, o
presidente da Via Engenharia, Fernando Queiroz; o executivo da empreiteira
Alberto Noli; e os operadores de propina Jorge Luiz Salomão, Sérgio Lúcio de
Andrade, Afrânio Roberto, Luís Carlos Alcoforado e Wellington Medeiros. Eles
responderão, a depender dos atos de cada um, por organização criminosa,
corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação.
Os empresários da Andrade Gutierrez não foram incluídos na peça de acusação por
causa dos acordos de leniência que levaram à deflagração da operação.
"Acusações
infundadas"
Os envolvidos negam
irregularidades na construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, o mais caro
entre as arenas construídas para a Copa do Mundo. Em nota, Daniel Gerber,
advogado de Agnelo Queiroz, preferiu não comentar ponto a ponto os valores
ilícitos supostamente recebidos pelo ex-governador. No texto, ele afirma que
“as acusações são infundadas e o curso do processo comprovará a absoluta
ausência de qualquer irregularidade na atuação de Agnelo”.
O Correio entrou em
contato com Alexandre Queiroz, advogado de Tadeu Filippelli, por meio de
ligações e mensagens de WhatsApp, mas não obteve retorno. Em oportunidades
anteriores, a defesa do ex-vice-governador negou o envolvimento dele com o
esquema criminoso e garantiu que a inocência seria comprovada nos autos.
A reportagem também
não conseguiu conversar com os responsáveis pela defesa de José Roberto Arruda.
Durante as investigações, entretanto, os advogados dele esclareceram que o
ex-governador nunca recebeu valores ilícitos e, apesar de a licitação
questionada ter sido planejada no governo de Arruda, não chegou a ocorrer no
período da gestão.
O Correio não
conseguiu contato com as defesas de Maruska Lima, Nilson Martorelli, Fernando
Queiroz, Alberto Noli, Jorge Luiz Salomão, Sérgio Lúcio de Andrade, Afrânio
Roberto, Luís Carlos Alcoforado e Wellington Medeiros.
Ao longo das
apurações, a Andrade Gutierrez informou que colabora com as investigações em
curso, “dentro do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério
Público Federal”. Reforçou, ainda, o compromisso de esclarecer e corrigir todas
as situações irregulares ocorridas no passado. Acrescentou que “continuará
realizando auditorias internas no intuito de esclarecer fatos que possam ser do
interesse da Justiça e dos órgãos competentes”.
Agnelo Queiroz (PT)
Propina intermediada por operadores
» Por Jorge Salomão:
10 repasses, em um total de R$ 1,75 milhão
» Por Luís Alcoforado:
5 repasses, em um total de R$ 660 mil
» Por contrato
simulado entre a Andrade Gutierrez e o escritório Alcoforado e Barreto: 7
repasses, em um total de R$ 935 mil
Pacote de exigências
» Contrato com a
empresa de mídia digital Pollock 8 no valor de R$ 1,8 milhão
» Confecção de maquete
eletrônica 3D do Mané Garrincha por R$ 46 mil
» Ingressos para o
jogo Brasiliense x Brasília em um total de R$ 300 mil
» 24 garrafas de
uísque Chivas Regal 12 anos e 24 de Johnnie Walker Black para o jogo pelo total
de R$ 4.315,20
» Camisas para o time
do Brasília no valor de R$ 70 mil
» Ingressos para o
camarote do jogo Santos x Flamengo, no Mané Garrincha,
por R$ 186,2 mil
» Bebidas para os
respectivos camarotes no valor de R$ 74,4 mil
» Bufê para os
camarotes, em um total de R$ 65.624
» Locação de vasos
ornamentais para os camarotes no valor de R$ 4,5 mil
Doações
» À Paróquia São
Pedro, para garantir a promoção pessoal de Agnelo Queiroz:
R$ 300 mil
» Ao PT: R$ 300 mil
José Roberto Arruda (PR)
Propina intermediada
por operadores
» Por meio de Sérgio
Lúcio e Andrade: R$ 2 milhões, por meio de 6 pagamentos
Contrato simulado
» Por meio do
escritório Wellington Medeiros-Advogados: 4 pagamentos de R$ 450 mil, em um
total de
R$ 1,8 milhão
Doações
» À Paróquia São Pedro:
uma de R$ 20 mil e outra de R$ 100 mil
Tadeu Filippelli (MDB)
» Delatores informaram que, para facilitar a
fraude, Filippelli requisitou valores em espécie e doações das empreiteiras ao
MDB
Doações à chapa de
Filippelli e Agnelo
» Por meio da Andrade
Gutierrez:
R$ 2.485.000
» Por meio da Via
Engenharia:
R$ 3,7 milhões
Propina
» 1% sobre o valor do
contrato firmado com o Consórcio Brasília 2014, responsável pela construção do
Mané Garrincha
Correio Braziliense
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