ÁGUAS AMAZÔNICAS TÊM NÍVEL
ALARMANTE DE COMPOSTOS TÓXICOS
Concentração do composto em poços usados por comunidades rurais é 70
vezes superior ao recomendado. Pesquisadores acreditam que o problema ocorra
por razões naturais, mas alertam que a ingestão regular do líquido pode afetar
a saúde.
Temendo a poluição, a população deixou de usar os rios e cavou os
próprios reservatórios de água: presença também de manganês e alumínio
(foto: Christophe Simon/AFP)
As águas dos rios e das chuvas foram suficientes para suprir as
necessidades das comunidades rurais da Bacia Amazônica durante muito tempo. Com
o avanço da exploração da floresta e com o aumento da poluição oriunda das
extrações de plantas e minerais e de outras atividades industriais, essas
populações tiveram que recorrer à criação de poços. A solução, porém, pode se
tornar um novo problema de subsistência e de saúde pública. Um estudo conduzido
por cientistas do Brasil, do Peru e da Suíça mostra que esses reservatórios de
pouca profundidade contêm água que supera em até 70 vezes o limite recomendado
de arsênico pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Devido aos rios contaminados, muitas comunidades rurais aproveitam a água
subterrânea. Em algumas áreas da Bacia do Rio Amazonas, essa água contém
elementos em concentrações potencialmente prejudiciais para a saúde humana”,
ressaltou Caroline de Meyer, cientista do Instituto Federal Suíço de Ciência e
Tecnologia Aquáticas, durante apresentação de dados preliminares do estudo
feita, ontem, na Assembleia Geral da União Europeia de Geociência (EGU), em
Viena.
Os primeiros resultados da pesquisa são de amostras obtidas em 250
comunidades da Amazônia peruana, onde também foram detectados níveis perigosos
de concentração de outras substâncias. As taxas de manganês estavam até 15
vezes superiores aos limites estipulados pela OMS, e as de alumínio, até três
vezes acima do recomendado. “Esse tipo de contaminação não deveria ser subestimado”,
frisou Caroline de Meyer, também coordenadora do estudo.
Os pesquisadores acreditam que a presença do composto tóxico derivado do
arsênio e dos dois elementos químicos ocorra por razões naturais, e não devido
à poluição industrial, e de forma cumulativa ao longo de décadas. “Retiramos
amostras de poços que têm mais de 20 anos e outros recentes, de apenas algumas
semanas”, informou Meyer. A hipótese é de que os rios que começam nos Andes vão
deixando seus sedimentos ao longo dos canais. Depois, esses elementos se
infiltram nos poços subterrâneos.
Cânceres e mortes
Na nova etapa da pesquisa, a equipe vai medir as concentrações químicas
em amostras de poços utilizados por comunidades brasileiras. Mas, como na etapa
anterior, não há o objetivo de examinar os impactos na saúde da ingestão da
água contaminada com arsênico e os elementos químicos nem a extensão do
problema. “Não podemos afirmar quantas pessoas estão afetadas”, declarou Meyer.
Destruição da floresta: Outro mal que colabora para acabar com a saúde dos rios da Amazônia.
Segundo a pesquisadora, são necessários mais dados para identificar os
locais em que os níveis de toxicidade estão especialmente elevados e as
comunidades consideradas altamente dependentes dos poços. Em Bangladesh, onde o
problema é conhecido há várias décadas, órgãos de saúde calculam que a ingestão
de água contaminada com arsênico provoque quase 40 mil mortes prematuras por
ano.
A longo prazo, a exposição crônica ao composto está ligada ao surgimento
de cânceres de fígado, rim e bexiga, além de doenças cardiovasculares. Também é
associada a abortos espontâneos, pouco peso ao nascer e problemas de
desenvolvimento cognitivo em crianças. Em doses tóxicas, o manganês pode
provocar danos neurológicos permanentes. Não há efeitos conhecidos sobre a
exposição contínua ao alumínio.
Presença mascarada
Como as complicações demoram a aparecer, a ingestão do arsênico pode
demorar a ser descoberta. Os pesquisadores alertam que, no caso das comunidades
da Bacia do Amazonas, o nível de conscientização sobre o problema é muito
reduzido. Além disso, por uma pura questão de acaso químico, o nível de
intoxicação talvez tenha sido mitigado pelo fato de, geralmente, a água
contaminada com arsênico também conter ferro.
Para Meyer, por se tratar de áreas com saneamento precário, a solução
para o problema não é simples. “Você poderia tentar filtrar a água, o que não
funcionaria para todos os elementos, ou talvez procurar aquíferos seguros, que,
pelo que descobrimos, tendem a ser mais profundos”, sinalizou. A Bacia do Amazonas,
drenada pelo Rio Amazonas e por seus afluentes, tem 7.500.000 quilômetros
quadrados e atravessa oito países.
Problema de 50 milhões
A dependência de água contaminada por arsênico não é um problema apenas
de latinos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo,
cerca de 150 milhões de pessoas o enfrentem. Geralmente, são regiões em que o
composto está dissolvido com sedimentos fluviais e material orgânico, como nos
deltas do Ganges, em Bangladesh, e do rio Vermelho, no Vietnã.
CORREIO BRAZILIENSE